sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
No primeiro côncavo, da sua vida
Vivera uma geometria anexa.
Começara num plano mais ou menos oblíquo, para se tornar aos poucos em linhas. Rectas e horizontais. Dias que começavam num momento e acabavam, sem nenhum sobressalto, no fim do raio. Fosse ele, de que tamanho fosse...
Com o tempo, a perpendicularidade.
Um dia, num acaso, de uma janela mal fechada, a verticalidade a assombrar-lhe, uma nesga de existência.
Construiu alguns cubos, a partir daí. Que guardou sigilosamente, dentro de si.. Paralelepípedos nos dias sem grande historia e muitos sólidos, ao longo de toda a vida.
Sempre que havia necessidade de construção, reinventava tetraedros.
Só não ousou nunca uma curva.
E agora, que a história lhe pede...o primeiro côncavo, da sua vida?
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
Na ombreira da sua existência
Poderia ficar assim, indefinidamente, encostado à ombreira da sua existência.
Uma porta entreaberta garantia-lhe alguma paisagem, do que fora, sem que os passos se afligissem em demasia, na borda do degrau.
Lá dentro, os silêncios eram absolutamente contornáveis.
Respiravam as janelas, ainda. Uma brisa esquecida, de ontem, no quarto dos fundos. De sempre, na sala que tinha ao canto a mesinha baixa, com todos os retratos. Lembrava-se de cada um e, eram doze e mais oito.
Doze, do tempo que passara à justa, por sobre a felicidade.
Oito, na medida do esquecimento...
Garantiam-lhe todos os verbos, agora, que mais um passo naqueles degraus e haveria de ser diferente...
Uma porta entreaberta garantia-lhe alguma paisagem, do que fora, sem que os passos se afligissem em demasia, na borda do degrau.
Lá dentro, os silêncios eram absolutamente contornáveis.
Respiravam as janelas, ainda. Uma brisa esquecida, de ontem, no quarto dos fundos. De sempre, na sala que tinha ao canto a mesinha baixa, com todos os retratos. Lembrava-se de cada um e, eram doze e mais oito.
Doze, do tempo que passara à justa, por sobre a felicidade.
Oito, na medida do esquecimento...
Garantiam-lhe todos os verbos, agora, que mais um passo naqueles degraus e haveria de ser diferente...
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
De costas, num instante, de memória
Havia mundo e havia caminho.
Havia tempo. Todo o tempo, menos aquele instante quase absurdo, em que tinha a certeza, ela o amara.
Não sabia precisar se durante, se ainda, se quase sempre.
Virou-se de costa e esperou.
Os instantes regressam. Têm que regressar. Mais não seja, pelas ondas ritmadas da memória.
Saberia chorar um oceano, se preciso fosse. Só por essas ondas, ritmadas, da memória.
Mas não prosseguiria, assim.
sábado, 20 de outubro de 2012
A respirar palavras
Era absolutamente indispensável. Não concebia nenhuma manhã, sem inspirar palavras. Todas as palavras que pudesse.
Nem nenhuma tarde, em que o abdómen não se contraísse, a ponto de deixar sair, em catadupa, as frases. Já construídas, numa digestão lenta, de todas as memórias.
Respirava escrita do nascer do dia, ao ocaso, da sua história.
Tinha sido assim, desde o dia em que nascera. Para espanto d
e todos os que viam os seus ditos e, mesmo os seus pensamentos, serem engolidos, ali mesmo, às golfadas.
Não era preciso muito para inspirar as palavras. Por vezes bastava só isso: a proximidade de um pensamento...
Depois, ia devagarinho, pela sombra dos sorrisos, ou pela contracurva das emoções, de boca entreaberta. E, na quietude que se entardecia, expirava, então...
Não era preciso muito para inspirar as palavras. Por vezes bastava só isso: a proximidade de um pensamento...
Depois, ia devagarinho, pela sombra dos sorrisos, ou pela contracurva das emoções, de boca entreaberta. E, na quietude que se entardecia, expirava, então...
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
De costas, sem lugar de história
Recordava-se em absoluto que se tinha deitado de frente.
Todos os dias se deitava de frente, para um luar. E todos os dias, acordava de frente, para o que dele restasse.
Podia ser um sonho, podia ser uma imagem. Podia ser a necessidade de ausência, que só se encontra, plenamente, no ar leve da madrugada.
Acordava de frente para a madrugada.
Havia restos de noite, que se iam deitar, cheios de histórias. E luzes, que tremeluziam ainda, à espera do que acontecesse..
Iriam acontecer muitas coisas. No tamanho e, na proporcionalidade das horas que voam, pelo dia fora. Ou que, simplesmente, se deixam escorregar.
Susteve, por breves instantes a respiração e pensou que se tinha deitado de frente. Era absolutamente inequívoco. E, não obstante, acordara de costas.
Pela primeira e única vez na sua vida: tudo o que tinha acontecido e mais ainda, o que iria suceder, estavam confinados ao lugar da ausência...
Só se rodasse, em meia volta.
Mas o tempo...o tempo não tem metades. Não estanca a meio de um bocado de vida, à espera do outro tanto.
Pensou no pião, que tinha guardado na gaveta da memória e, lançou-o. Com toda a força, até ao lugar do coração.
Agora rodopia, entre o que jamais aconteceu e o que, mesmo sucedendo, nunca lhe servirá de história.
( a imagem é da estátua de Drummond de Andrade, no Rio de Janeiro)
terça-feira, 25 de setembro de 2012
No sétimo degrau a contar do último acontecimento, da sua vida
Desviou-se apenas um milímetro, da curva da porta . Completamente aberta para a existência. E, sentou-se, precisamente, no sétimo degrau, a contar do último acontecimento, da sua vida.
Matutou longamente....
O sexto acontecimento estava logo acima, acocorado num degrau, pleno de água, que lhe escorria agora, pelas costas.
Tinha havido pelo menos dois luares e um sol. A somar a quase toda a brisa do mundo. Fora breve? Nem sequer sabia...
Breve era a existência, escancarada, assim, para lugar nenhum.
Do quinto acontecimento, não tinha, sequer memória.
E no quarto, não havia, nenhuma história. Tempos e lugares esparsos. Apenas e só.
Limitou-se a matutar longamente.
O vento, do fim do dia, empurraria com força, a porta. E, faria então, ranger-lhe, os olhos.
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
Mundo, em trapos de volta redonda
Gostaria muito de perceber, onde estaria a bola, redonda de trapos.
Rodara meia vida e mais um tempo, por todos os cantos do quintal.Um dia, sem nenhum desespero, foi-se...
Ninguém procurou. Nem sequer ninguém teria que procurar.
Ontem, era azul, cosida e recosida, em trapos de volta perfeita.
Hoje, seria certamente, qualquer outra.
O tempo deixara que todas as perdas se fizessem. Que todas as angústias acontecessem.
No fundo da escada estava uma espécie de mundo redondo. Feito de bocadinhos de acontecimentos. Também eles, cosidos e recosidos.
Tão diferente, da velha bola de trapos...e apesar disso: a mesma.
Parecia-lhe agora que desaguava oceanos, de cada vez que a chutava, com muita mas muita força, para o fundo do quintal...
sábado, 14 de julho de 2012
Existência, num murmúrio, do fundo do coração
Não se percebia muito bem da porta, quantos passos se teriam que dar, para ultrapassar toda a realidade, rodar a maçaneta aos sonhos e, desembocar numa passadeira, sem vivalma.
Mandava então parar o tempo, aquietar o espaço e seguia.
A viagem era sempre a da existência. Sem destino preciso e sem direcção definida.
Guiava-o uma bússola, que herdara do seu avô. E um marca-passos, amarelado, de vitrina partida e ponteiros seguros por um elástico, que lhes permitia contar a vida, segundo, a segundo, por uma boa parte da eternidade.
Todos os dias percorria sozinho, uma boa parte da eternidade.
Não havia esperança nem contemplação, na viagem.
As bermas permaneciam inertes e a paisagem, permanentemente indefinida.
Depois de horas de repensar o que o levava. Passava outras tantas horas, a ensimesmar-se, sobre o que o traria.
ainda hesitou, por um dia, desviar-se. A causa, foi um pequeno murmúrio, que pareceu ouvir, do fundo do coração...
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Longe a levaria, o rasto de si
Nada nem ninguém faria prever.
Uma mala pousada à pressa, no chão, de urze, da frontaria da casa.
Quase tudo, misturado no amarelo da Primavera. Quase tudo o que lhe acontecera. Década por década.
Quinzena por quinzena, à exaustão do instante.
Tinha dobrado bem a vida.
Vincado os dias de azul. E, trespassado, de ponta a ponta, com linha encarnada, os outros. Esses que fora cinzelando.
Vivemos sempre entre o azul e o sombreado. Inequivocamente!
Por vezes- muito poucas essas vezes- em breves instantes de um tempo. Surpreso e suspenso, que nos deixa coexistir a amarelo.
Numa ou noutra travessia, podemos fazê-lo em passos largos, de braços alados ao verde. Mas só, numa ou noutra, pequena, travessia.
A mala levava-se consigo, para muito longe.
Lá, onde não haveria nem tempo, nem vagar, para o recordar da memória.
Soariam breves, os passo da viagem. nesse destino ingrato. Trespassado na lonjura maior: o lugar, onde o silêncio se faz de agruras mal passadas, e a paisagem se redesenhada, numa vaga pintura, de um imenso, rasto de si...
sábado, 23 de junho de 2012
Ponto Cardeal
Acostou devagar os olhos, à linha do horizonte.
Um cotovelo apoiado num fim de sol, que teimava em escorregar para o outro lado, sempre que as palavras prenunciavam planura.
Não havia assim tanto para contar, de uma vida entre-cruzada de mares. Sempre e só, entre-cruzada de mares.
Numa ocasião, fora o Pacífico, que lhe aplacara por algum tempo, a fúria. Apenas o necessário ao retempero do desejo.
Nem sempre sobrevivera bem às ondas. Tinha disso, consciência plena.O movimento era sempre contrário à entrega. E nada restava no final das marés: nem conchas, nem estrelas, nem búzios, dos que ainda sabem escutar .
Sucediam-se as preias, às baixas de mar. Sempre com origem numa tocata e fuga, em Dó menor, que sabia de cor. E pelo que acabou por se entender, lhe pertencia quase por inteiro.
Ao lavar-se de alma, o recomeçar, num outro oceano. O que equivalia, na prática a reconstruir de novo, com a angústia de poder perder, mais uma vez, o seu único sextante.
Não sei porquê, deixou-se guiar, ali mesmo por uma bússola desmagnetizada. Só a pensar que sem estrelas, nem caminhos traçados, quem sabe, encontraria então, o seu ponto cardeal.
Oxalá!
Um cotovelo apoiado num fim de sol, que teimava em escorregar para o outro lado, sempre que as palavras prenunciavam planura.
Não havia assim tanto para contar, de uma vida entre-cruzada de mares. Sempre e só, entre-cruzada de mares.
Numa ocasião, fora o Pacífico, que lhe aplacara por algum tempo, a fúria. Apenas o necessário ao retempero do desejo.
Nem sempre sobrevivera bem às ondas. Tinha disso, consciência plena.O movimento era sempre contrário à entrega. E nada restava no final das marés: nem conchas, nem estrelas, nem búzios, dos que ainda sabem escutar .
Sucediam-se as preias, às baixas de mar. Sempre com origem numa tocata e fuga, em Dó menor, que sabia de cor. E pelo que acabou por se entender, lhe pertencia quase por inteiro.
Ao lavar-se de alma, o recomeçar, num outro oceano. O que equivalia, na prática a reconstruir de novo, com a angústia de poder perder, mais uma vez, o seu único sextante.
Não sei porquê, deixou-se guiar, ali mesmo por uma bússola desmagnetizada. Só a pensar que sem estrelas, nem caminhos traçados, quem sabe, encontraria então, o seu ponto cardeal.
Oxalá!
sexta-feira, 15 de junho de 2012
Carta à minha memória V - Desencontros
Escrevi-te ontem, para que pudesses ler antes, o que eu sei , que jamais acontecerá.
Por isso não te enviei saudades. Nem te pedi resposta.
Não vai ser preciso mais nenhum tempo. Não quero que me escrevas para mais nenhum tempo. Pelo menos enquanto lugar de acontecimentos e histórias.
É difícil dar com a caixa de correio, para onde envias as memórias…assim, largadas.
Procuro hoje e não encontro.
Tento amanhã e não alcanço.
E no fim do dia, o ontem já se fez presente e o endereço errado...para onde te remetem a minha vida, assim..sem mais nem menos.
Não gosto disso. Da minha vida, remetida num embrulho já meio desfeito.
Eu sei que mais tarde ou mais cedo os embrulhos se desfazem. Mas que não seja por caminhos.
Fica complicado reencontrar o que quer que me digas e, mais ainda o que quer que me queiras dizer, depois disso. Ou, antes disso.
Deixa, que seja eu a contar-te, de um qualquer recanto.Sem pressas nem momentos.
Vou-te dizer: busquei a lua, sabes. Busquei-a no lugar exacto em que a lua surge. Sem imposições de relógios.
depois procurei o sol. Nesse acontecimento único, em que o sol se despe da noite.
Reparei que o pijama do sol não tinha estrelas. Nenhuma estrela. Só uma ou outra fugazmente as vi, a escorregar pela borda do lençol…
Saudades de ti, minha memória, plantada, nessa lonjura…
Este texto foi escrito originalmente, para o blogue Cartas aos molhos
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Consciência em silêncio, no tempo, do teu coração
Acontecia deitar-se sem se escutar.
Passar todas as vinte e quatro horas, de silêncio absoluto.
Acontecia muitas vezes, deitar-se sem se escutar. Não porque fosse uma escolha.
Sabia perfeitamente, que não era uma escolha.
Deitar-se-ia , assim, numa sepulcral ausência de Si. Sem nenhuma alternativa.
Nem o velho gira discos, que encostara permanentemente, à sua breve história, lhe serviria de alternativa.
Depois de um ou dois dias, era preciso sentar a consciência, no ramo mais alto e deixá-la livre.
O Eco, tomado a pulso, de dentro do peito como um uivo, cederia então, ao ar.
Se o calor da tarde o permitia, subiriam em espiral , os devaneios. Todos os devaneios. Aqueles que se esperam. e os outros: os que se inventam.
Nos dias de inverno, cairiam como flocos, pegajosos e frios, as questões.
-Deixa-me que te pergunte!
-Deixa-me que te pergunte a ti, que és parte intrínseca de mim: o que fizeste da ausência? Essa, que não te permite, agora, sequer, escutar-te?
Onde perdeste tu a distância precisa, entre o movimento de quem anda e, o movimento de quem se contempla?
Não fora a consciência, sentada em cima, e nem um suspiro se ouviria mais. No tempo, todo do teu coração...
Passar todas as vinte e quatro horas, de silêncio absoluto.
Acontecia muitas vezes, deitar-se sem se escutar. Não porque fosse uma escolha.
Sabia perfeitamente, que não era uma escolha.
Deitar-se-ia , assim, numa sepulcral ausência de Si. Sem nenhuma alternativa.
Nem o velho gira discos, que encostara permanentemente, à sua breve história, lhe serviria de alternativa.
Depois de um ou dois dias, era preciso sentar a consciência, no ramo mais alto e deixá-la livre.
O Eco, tomado a pulso, de dentro do peito como um uivo, cederia então, ao ar.
Se o calor da tarde o permitia, subiriam em espiral , os devaneios. Todos os devaneios. Aqueles que se esperam. e os outros: os que se inventam.
Nos dias de inverno, cairiam como flocos, pegajosos e frios, as questões.
-Deixa-me que te pergunte!
-Deixa-me que te pergunte a ti, que és parte intrínseca de mim: o que fizeste da ausência? Essa, que não te permite, agora, sequer, escutar-te?
Onde perdeste tu a distância precisa, entre o movimento de quem anda e, o movimento de quem se contempla?
Não fora a consciência, sentada em cima, e nem um suspiro se ouviria mais. No tempo, todo do teu coração...
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Uma janela, da altura do meu assombro
A casa era ampla. Divisões serenas que se entre-cruzavam num emaranhado de portas.
Abertas por coisa nenhuma que não fossem os seus próprios passos.
Breves e objectivos, esses passos.
De um lado, o lugar de ficar. Do outro, o de permanecer...
Não havia nenhuma exiguidade. Nem sequer de noite, quando o ritual se fazia deambular pelos corredores imensos.
Foi assim até, exactamente três terços da sua vida.
Os passos registados num contador de passos, que servia ao mesmo tempo de guardador de histórias. Pelo menos, daquelas que se movem.
2300 passos para a direita e o dia seria de ficar. Mais do que isso, e o dia, seria de permanecer.
Nunca gostou de esquinas desgrenhadas. Travavam-lhe o andar e possibilitavam-lhe um quase horizonte. Não muito largo, mas ainda assim, um horizonte...
Nesse dia em que completou três terços da sua existência, sentou-se na beira da cama e não conseguiu andar...os pés imóveis, no chão frio de pedra. O contador de passos: inerte.
Ainda teve tempo de chamar o seu único amigo:
-Corre Jorge. Vem depressa. Rasgar-me uma janela. Do peito, ao infinito.E, com a altura do meu assombro.
(Fotografia gentilmente cedida pelo autor: Rui Andrade)
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Lágrimas de sais aflitos
Partir entre esgares de medo. Partir com dolorosa saudade. Partir desfeito de si, em lamentos mais ou menos imprecisos, sem nunca olhar para trás.
Para o lugar largado, para a pessoa perdida, para o cenário apagado.
Partir em passos largos e gestos brandos, de quem não sabe se algum dia chegará...
Aprendeu cedo, a distinguir as lágrimas da partida, feitas de sais aflitos, das da chegada, aninhadas à quase felicidade.
Mas ali, nunca lhe acontecia chegar.
As partidas prolongavam-se em metros e metros de passadeiras, de escadas, para cima, da vida. Para lá, da vida, Ultrapassando a mera existências. Simplesmente...iam.
E continuavam a ir. De costas voltadas aos tempos dos sorrisos, que conseguia, não obstante, entrever, por entre portas.
até ao dia, em que prometeu a si mesmo que tomaria atrás de si, um café. Por entre essas portas...
Desceu a rampa, sentou-se, do outro lado do aeroporto. Pegou numa rosa. Das tantas que acompanham unicamente, chegadas.
E, foi ficando por ali, entre pétalas e abraços.
Lágrimas de outros sais, inundavam-lhe de espanto, o rosto. Dessas, aninhadas à quase felicidade...
Sabia que a partir desse dia, viveria sempre assim: a partir da porta de desembarque.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
A tua vida, numa paleta
Não fora isso, estaria tudo bem.
Uma paleta de recados, ordenados, por um sistema gradativo e colorido. Perfeitamente inteligível, sem o castanho, o cinza, e as nuances de pálidos luares.
Nada mais haveria a acrescentar, a essa tua paisagem de sempre azul. Além do céu e do mar.
Nunca tinha assistido a um pincelar de raivas, de claridades, e de expectativas...sempre azuis.
Sempre soube que nunca desenharias nada. O traço mais ou menos irregular, fazia-te cócegas nas ombreiras da vida.
Melhor espalhar desordenadamente os pigmentos, na paleta imprecisa, de mais uma viagem.
Pois claro que entornaste tinta!
Pois claro que nunca mais soubeste onde deixaste os matizes de lilás!
Agora não precisas de mais matizes de lilás...
Basta que preenchas tudo, nas ausências, de negro e branco. Ou nas raras presenças, escorridas ainda, pelos pincéis.
Experimenta as presenças escorridas pelos pincéis, hoje que a vida se te faz de novo e ainda, paleta.
E nunca te esqueças: a luz num ego brilhante, que se quer lunar.
Amanhã, alguém te cobrirá a tela de invisível silêncio
Quero ver o que pintarás depois...
Pois claro que nunca mais soubeste onde deixaste os matizes de lilás!
Agora não precisas de mais matizes de lilás...
Basta que preenchas tudo, nas ausências, de negro e branco. Ou nas raras presenças, escorridas ainda, pelos pincéis.
Experimenta as presenças escorridas pelos pincéis, hoje que a vida se te faz de novo e ainda, paleta.
E nunca te esqueças: a luz num ego brilhante, que se quer lunar.
Amanhã, alguém te cobrirá a tela de invisível silêncio
Quero ver o que pintarás depois...
quinta-feira, 24 de maio de 2012
A tempo, de falar silêncios
Senta-te e esquece depressa todas essas palavras .
Fecha a porta do armazém das frases. As que tinhas feitas e as que tinhas por construir.
A noite ecerra-se num imenso fecho éclair de estrelas, por cima do mar.
As ondas vestem-se a pouco e pouco de negro.
No que resta da areia morna podes enterrar uma a uma todas as coisas ditas. E, as que ficaram , felizmente, por dizer.
Deixa-te estar assim. Não me apetece nada (re)conhecer-te em lonjuras de pensamento, nem em esquinas mais ou menos elaboradas. Só na imensa brevidade do instante.
Há instantes no fundo dos teus olhos. Agarrados à tua alma e, que se espalham agora pela toalha.
Lá fora o mar respira e surpreende-se.
Ouve-se a respiração das ondas, a tentar segurar búzios, entre os intervalos ritmados das rebentações, para conseguir ouvir todos e cada um dos teus instantes.
Por magia misturaste sem querer, uma brevidade, no pão com manteiga...
Lá fora o vento embala-te quase tudo o que vais repetindo incessantemente, de sorriso brando.
A janela, vou deixá-la aberta, para se falar melhor...
segunda-feira, 21 de maio de 2012
sábado, 19 de maio de 2012
Às vezes
Hoje, uma proposta diferente: o texto não é meu, é da minha filha
(tem 17 anos )
Às vezes ele olhava para o relógio: sabia perfeitamente a hora, apenas o fazia por hábito. Outras vezes, esquecia-se. Talvez fosse a recorrência da coisa que ele gostava: ou então, não o sabia bem, conscientemente. Outras vezes, olhava profundamente para o chão. Batia com o pé, o esquerdo, repetidamente. Murmurava palavras soltas, sem muito sentido, Talvez até formasse frases; ou pensamentos, eu nunca soube.
Escrevia lentamente, a letra cuidada, nunca rasgando o papel. Esse, entendia-o. Fora sempre o seu melhor amigo, o seu confidente. Sabia-o de cor.
Cansava-se, pousava a caneta. Essa, nunca dormia. Desejava um dia que ela adormecesse. Que não acordasse, não funcionasse, não tivesse o desejo de mais lhe pegar.
Desejava um dia ficar o papel, com a tinta corrida, a caneta ao lado adormecida. Desejava por fim que o papel acordasse do seu sono quase eterno, que falasse com ele, como se de música se tratasse, até que ele mesmo fechasse os olhos, pousada a cabeça bem junto à caneta e, adormecesse.
Inês V. J. Galamba de Oliveira
segunda-feira, 14 de maio de 2012
Há procura do pretérito em sessenta canetas
Comprara exactamente 60 canetas.
Uma, para registar cada segundo de existência. Ao longo de todas as hora a que encostara os dias.
Canetas de tinta intermitente, veio a perceber depois. Fluídas no desejo, no futuro, no tempo de acontecer. Mas perras, em todos os pretéritos.
Não podia escrever que fora, que estivera, que um dia sonhara, que por causa disso perdera. Não podia dizer que abdicara, ou que se rendera...as vogais, por mais que tentasse, ficariam no fundo do passado. Dentro do tempo que não se escoa.
Uma memória balbuciada era tudo o que conseguiria, de cada uma das sessenta canetas, em cada um dos sessenta minutos de todas as horas da sua vida.Se posse futuro, mesmo que condicional, as frases sairiam fluídas. E a tinta, de intermitente, passaria de imediato a uma tinta presente, permanente.
Experimentou, no dia seguinte, um dia em que havia tudo por acontecer, comprar mais 60 canetas.
Procurou bem os rótulos e optou por um, que dizia:" tinta de secagem rápida e óptima resistência às intempéries".
Começou então, a medo, a descrever todos os projectos, que evolviam quase todos os minutos...as canetas célere no meio do papel.
Só começaram a ceder, mesmo essas, de óptima resistência a todas as intempéries, quando se recordou de repente, do que acontecera essa manhã...a porta abrira-se cedo...e ela partir(a). Já sem vogal. Não sab(ia) bem para onde e muito menos porqu (ê).
Ela partir(a) sem nenhuma vogal . Quase não se lembrar(a) dess (e) fact(o) quando comprar(a) as canet(as)Partir(a) sem raz(ão) algum(a).
Só partir. Como quem vai.
Talvez se ela um dia voltasse, ele conseguisse então escrever. Com uma tinta qualquer...
terça-feira, 8 de maio de 2012
Nas nuvens, de cabeça para baixo
Fiz toda a vida castelos nas nuvens. Fortalezas de imaginação desenhadas de barriga para cima.
Os dedos no ar em futuros improváveis, que se desmanchavam na primeira revoada. E eram refeitos, como se de uma linha de montagem de felicidade.
Fiz sempre assim, até ao primeiro e único dia em que voei.
Descobri uma forma qualquer de voar, mesmo sem asas.
Um voo curto, acho que de inspiração, só até à beira do primeiro nimbo, a que me agarrei com toda a força.
De cima para baixo, foi mais fácil surpreender o destino. Agarrar os flocos de coisa nenhuma e, prendê-los pelos cabelos de ar, ao chão.
Prendi uma curva apertada, uma estrada, um comboio. Um contorno diáfano de gente.
Prendi também o tempo suficiente a todas as viagens.
Não me lembro de ter conseguido segurar a vida que remoinhava sem parar.
E ainda bem, que não a segurei.
Tudo o que desenhei, de cabeça para baixo também se esfumou.
No fim da curva apertada, a sombra pálida de um comboio. Viagem nunca acabada.
Na berma, em lugar nenhum da estrada, o único contorno de gente, a desfazer-de pleno de vento.
quarta-feira, 2 de maio de 2012
Embrulhado de vida
Só elas, navegantes de infinitos, tinham o poder de te embrulhar a vida. E passavam, tantas vezes e, tão rapidamente, ao largo da tua existência.
Felizmente, ao lado, da tua existência. Ou infelizmente, porque sei que quererias assim: viver de vida embrulhada.
Dias inteiros de transparência, arrancavam-te gritos de dor.
A cada decisão vacilavas no azul de todo e qualquer lugar.
Nenhum contorno esfumado, na paisagem dos teus sítios, dos teus anseios, dos teus receios. Dos teus amores...
Foste procurar lá, então, onde o céu se desfaz de algodão.
Debruçaste-te perigosamente, entre o passado, de memórias gargalhadas, as lágrimas.E, o que nunca deveria acontecer. E, foi aí, que decidiste encher os os bolsos de nevoeiro. A alma, de nevoeiro. O espanto de nevoeiro.
Nunca mais apareceste.
Se dizias que sim, podia ser a sombra de uma negação.Se dizias que não, podia acontecer que o ar se compactasse de imediato, por cima do teu olhar. E aí...quem poderia adivinhar?
Passarias a caminhar sem pressa e sem destino. Entre os risos, inaudíveis, das nuvens que te rodeavam, nesse abraço cerrado.
Achaste-ias então assim: sempre e, seguramente, ausente de ti.
sábado, 28 de abril de 2012
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Carta à minha memória IV - Proíbo-te que me escrevas
Proíbo-te que me escrevas
Passei um tempo sem notícias. Foi muito
bom.
Um esquecimento de palavras, em que quase
me retemperei: de ti e de mim.
Sempre foi complicada esta nossa dança de
sentidos. O Passado feito presente, empacotado em escritos.
Cartas em que me tentas fazer esvoaçar
acontecimentos, até à frente aberta dos meus passos, de futuro.
Não minha cara, não te deixarei nunca dançar o
tango. Que me impõe o regresso, objectivo, ao ponto de partida.
Mas ontem surpreendeste-me. A tua ousadia foi ao
ponto de me enviares quase todas as vírgulas da minha infância.
Recebias. Ainda pensei que estivessem
adormecidas, mas não. Tinha-las espicaçado, com os poucos pontos de
interrogação e menos ainda, de exclamação, que encontraste.
Como se na infância houvesse alguma certeza. Ou
as perguntas fossem definitivas.
Chegariam, pelo menos atordoadas, embaladas no
tempo, as virgulas, não fosse a tua maldade.
Teria preferido virgulas de infância,
aconchegadas, sob o selo, de ti. Mesmo que sem lacre, que não te sei de desvelos. Mas nem disso foste capaz.
Abri o envelope e soltou-se de imediato, o choro,
do dia em que me perdi.
Um choro agreste, aflito, desfeito de sentido. Tal
e qual como aos cinco anos.
Quase não consegui resgatar do fundo, a
minha timidez. Sei exactamente como acontecia, mas não a consegui resgatar.
O riso, esse, escorregou-me por entre
os dedos das mãos que cresceram, tu sabias, e não mais o encontrei.
Até as noite, com muita tosse, passadas a
ver a panela no fundo do quarto, que bruxeleava
desenhos, te encarregas-te de mandar...
Proíbo-te que me escrevas.
Não quero notícias tuas. Nada de ocasiões mal
embrulhadas, que insiste em enviar.
Talvez mude de direcção ou talvez opte, por
nunca, mas nunca mais mais te ler...
Este texto foi escrito, originalmente para o blogue Cartas aos molhos
Este texto foi escrito, originalmente para o blogue Cartas aos molhos
sábado, 21 de abril de 2012
Dança de azul em plié de sol
Este é um texto especial. A prova de que os meios da conversa, banal, numa rede social, num momento de descontracção, também podem trazer, alguma beleza.
Propositadamente, publico este texto, feito a duas mãos, com a Joana Santa Marta Granger,do blogue A simplicidade de existir sem "retoques", na exacta espontaneidade com que foi feito. Em termos, de comentário, imediato, no facebook
Propositadamente, publico este texto, feito a duas mãos, com a Joana Santa Marta Granger,do blogue A simplicidade de existir sem "retoques", na exacta espontaneidade com que foi feito. Em termos, de comentário, imediato, no facebook
A imagem e frase propostas foram estas
torradinhas de horizonte embebidas em azul. São servidos?
Era apenas o espectador de uma dança cujos passos nunca quis aprender. Olhou a névoa que se erguia sobre as areias, e desejou ver as suas pegadas, ali, sombra dos pés dela. Dançando as mesmas notas, copiando as palavras repletas de razão e sentido, onde o adeus jamais teria lugar...
Pegou no pincel e ficou, eternamente, a desenhar pássaros. Todos da mesma cor.
Pássaros presos num papel desbotado, de sempre azul e, sem nenhuma margem para voar.
Só o vento lhe traria novas, de uma dança longínqua, em pontas...
Tentou imaginar a linha do horizonte carregando nos tons de um só azul, mas este esbatia-se e fundia-se de novo. Queria marcar aquele troço que separa o sonho da realidade, queria agarrar as mãos dela, e na valsa da intempérie, empurrado pelo vento, deslizar para fora do seu mundo, que agora percebia ser tão pequenino, tão insignificante. Apenas mais um grão de areia como os que escorriam por entre os dedos...
De uma dança de azul, em pliê de sol...
Nada é mais inspirador que sentar em cima de uns trocos de árvore trazidos pelas marés, com histórias de mil viagens cravados nos seus rasgos, olhando o silêncio comovente do bater da ondulação do mar, azul, nas areias desprovidas de pegadas...
Ao que sei ele sentou-se na sombra, de azul e mais azul. Sem nunca largar o azul.
Pincelaria com ela, uma única dança, de curvas de marés, a redesenhar, então, a paisagem.
Longe ficaria a vontade de partir...
Tão parca lhe parecia agora a cor azul, quando espelhada nas cores da nostalgia de quem se deixa preencher, pela melodia da saudade, mesmo antes de a sentir. A brisa que contornava as rochas que o mar teimava em definhar, clamando a si, o calor das suas areias douradas, parecia-lhe sussurrar de volta as palavras que tantas vezes aqui partilhou, com estes mesmos paus, onde agora se sentava.
Percorreu com os dedos a marcas de um mar também para eles, impiedoso. Mas eles aqui continuavam, fortes, sustentando o peso do seu corpo, parado, tão distante da leveza da sua alma revoltada...
Ela dançava. Alheia, já, a todas as pinceladas.
Tinha-se embriagado de mar.
os braços espaçados na ventania e o olhar mergulhado numa qualquer paleta.
Um abraço sereno do sol, seria, agora, o bastante para a fazer rodar.
Levá-la-ia longe a dança...
Para muito longe desse lugar.
E ele, pregado, à sua fúria de azul...
Ao que sei ele sentou-se na sombra, de azul e mais azul. Sem nunca largar o azul.
Pincelaria com ela, uma única dança, de curvas de marés, a redesenhar, então, a paisagem.
Longe ficaria a vontade de partir...
Tão parca lhe parecia agora a cor azul, quando espelhada nas cores da nostalgia de quem se deixa preencher, pela melodia da saudade, mesmo antes de a sentir. A brisa que contornava as rochas que o mar teimava em definhar, clamando a si, o calor das suas areias douradas, parecia-lhe sussurrar de volta as palavras que tantas vezes aqui partilhou, com estes mesmos paus, onde agora se sentava.
Percorreu com os dedos a marcas de um mar também para eles, impiedoso. Mas eles aqui continuavam, fortes, sustentando o peso do seu corpo, parado, tão distante da leveza da sua alma revoltada...
Ela dançava. Alheia, já, a todas as pinceladas.
Tinha-se embriagado de mar.
os braços espaçados na ventania e o olhar mergulhado numa qualquer paleta.
Um abraço sereno do sol, seria, agora, o bastante para a fazer rodar.
Levá-la-ia longe a dança...
Para muito longe desse lugar.
E ele, pregado, à sua fúria de azul...
Era apenas o espectador de uma dança cujos passos nunca quis aprender. Olhou a névoa que se erguia sobre as areias, e desejou ver as suas pegadas, ali, sombra dos pés dela. Dançando as mesmas notas, copiando as palavras repletas de razão e sentido, onde o adeus jamais teria lugar...
Pegou no pincel e ficou, eternamente, a desenhar pássaros. Todos da mesma cor.
Pássaros presos num papel desbotado, de sempre azul e, sem nenhuma margem para voar.
Só o vento lhe traria novas, de uma dança longínqua, em pontas...
Tentou imaginar a linha do horizonte carregando nos tons de um só azul, mas este esbatia-se e fundia-se de novo. Queria marcar aquele troço que separa o sonho da realidade, queria agarrar as mãos dela, e na valsa da intempérie, empurrado pelo vento, deslizar para fora do seu mundo, que agora percebia ser tão pequenino, tão insignificante. Apenas mais um grão de areia como os que escorriam por entre os dedos...
De uma dança de azul, em pliê de sol...
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Mar em amor de pele
Começou por segurar devagarinho um resto de espuma entre o polegar e o indicador.
Água de um oceano inteiro, para cobrir de afagos...
Os dedos esticados sobre todo esse movimento, embrulhavam agora, cuidadosamente , cada onda, na palma da mão.
Não seria preciso muito, para cobrir de pele um oceano.
Só o tempo necessário da ternura, a embeber toda as lágrimas, mal contidas desse mar.
Nascera assim, desvalido de água. Sem outro contacto que o da areia rude, das falésias agrestes, a arranharem-lhe as vagas.
Por isso se incendiava tantas e tantas vezes, num desespero de vento. Dias inteiros de destemperos, e raivas, galopando em tempestades ruidosas, a assustar quem se atrevesse a chegar-lhe à orla das emoções.
Jazia agora quieto e manso. Num marulhar leve, oscilando entre os dedos de uma só mão.
A linha do horizonte parada, serena, de olhos postos, no sol
A boca entreaberta, a pedir beijos, salgados.
E uma gargalhada, de um mar, em amor de pele.
terça-feira, 10 de abril de 2012
Rostos etiquetados
Acordara pasmado!
O rosto ansioso de ontem, enrolado na camisa, já levemente desbotado, olhava-o ainda, da "senhorinha", aos pés da cama.
Seria assim, hoje, entre espantos e exclamações, que encararia o mundo.
Nunca escolhia os rostos. Limitavam-se a aparecer-lhe, largados, sem presas, pelo luar, que nasce quase sempre semi oculto.
Eram rostos de angústia, de medo, de assombrosa felicidade. Ou tão só retratos, debruçados, da própria vida.
Nada fazia prever face alguma. Nem sequer os olhares embaciados pelo sono, do dia que passara.
Vestia-se de rostos como quem se veste de si.
Despia-se de rostos como quem se despe de alguém.
Fora sempre assim. E, de segunda a sexta feira.
Rostos de medo e de ausência - que demoravam mais tempo a desnudar, é certo- intercalados com faces absurdamente efusivas, a darem lugar, num outro dia qualquer, a um semblante carregado.
Desde que o tempo, se moldara, perfeito, à sua existência...
Raramente arrumava os rostos durante a semana. Não havia porquê, demorar-se em faces usadas, que exigiam catalogação exaustiva e eficiente.
Melhor a espera, de noites inteiras, sem nenhuma expressão.
Ao sábado, levantava-se numa total ausência de personalidade. Nem um breve olhar, a denunciar a alma.
Seguia directo para o escritório-mais-que-mudo, no fundo do corredor. Portas meias com um pequeno quarto de costura, onde ainda tentara, em vão, alinhavar silêncios no canto dos olhos. E, pespontar sorrisos, sempre que os não havia.
Pegava primeiro na segunda feira e reconstruía então, criteriosamente, toda a sua paisagem.
No fim do dia, um arquivo de sombras, preencher-lhe-ia o tão almejado final da semana em ausência. Com todos os rostos, devidamente, etiquetados.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Gramática de um amor indiferente
Lembro-me muito vagamente, que começava sempre com orações intercaladas, absolutas.
Invariavelmente, na terceira pessoa do plural.
Não sei se eram elementos complementares do significado, se implicativos, mesmo, do coração.
Havia predicados, às dezenas, que se passeavam de mãos dadas a adjectivos coloridos e vibrantes.. Qual deles o mais bonito.
Com o tempo, foi ficando, sobretudo o verbo. Poderoso e directo. Um bocadinho alheio a atributos e opostos, a determinativos...mas ainda assim o verbo, sempre em passada larga de concordância, com ambos, os sujeitos.
Era assim que fazia sentido: num discurso directo e claro. Sem outra categoria que a da emoção.
Em uníssono, o substantivo próprio. Com número afectivo e, particularidade absoluta, de ternura.
Invariavelmente, na terceira pessoa do plural.
Não sei se eram elementos complementares do significado, se implicativos, mesmo, do coração.
Havia predicados, às dezenas, que se passeavam de mãos dadas a adjectivos coloridos e vibrantes.. Qual deles o mais bonito.
Com o tempo, foi ficando, sobretudo o verbo. Poderoso e directo. Um bocadinho alheio a atributos e opostos, a determinativos...mas ainda assim o verbo, sempre em passada larga de concordância, com ambos, os sujeitos.
Era assim que fazia sentido: num discurso directo e claro. Sem outra categoria que a da emoção.
Em uníssono, o substantivo próprio. Com número afectivo e, particularidade absoluta, de ternura.
Todos os hífens que nos encantam a memória eram tónicos. E, faziam-nos deslizar os dias, intercalados de coisas-e-sentimentos-parecidos-com-o-mar-feito-de-pele.
Não sei onde entraram os artigos...sobretudo os indefinidos...não me lembro sequer do dia...se foi por acaso, se pela mão de um superlativo maior.
O que sei é que acordei sem pronome.
Percebi então, que tudo, era afinal, relativo.Não sei onde entraram os artigos...sobretudo os indefinidos...não me lembro sequer do dia...se foi por acaso, se pela mão de um superlativo maior.
O que sei é que acordei sem pronome.
Justifiquei sem vírgulas. E numa ausência total de pontuação, troquei o condicional, pela primeira pessoa do singular.
A fotografia é de uma obra, do escultor em Lego, Nathan Sawaya
domingo, 1 de abril de 2012
Semi asas, a setenta e dois centímetros do chão
Vagueio pela página em branco, como por uma esquina desenhada de Lisboa.
Vagueio com as semi-asas que me fazem vaguear.
Nasci com semi-asas.
Permitem-me balouçar, expectante, a setenta e dois centímetros do chão.
Permitem-me balouçar, expectante, a setenta e dois centímetros do chão.
Rigorosamente, na altura, do coração de quem passa . E, ainda, sem alcançar totalmente, a imaginação, de quem chega.
Setenta e dois centímetros, fazem-me contornar obstáculos. Obrigatoriamente.
Setenta e dois centímetros, fazem-me contornar obstáculos. Obrigatoriamente.
Ainda há rastos de carros, bocados de casas, de vidas, de quase tudo, a setenta e dois centímetros do chão. E, coisas despercebidas também. Que nunca pousam definitivamente em lugar algum...
Há muitos detritos de gente. Muitos sorrisos adivinhados. Algumas lágrimas mais que perdidas. Paisagens que se percebem em destemperos de todas, mesmo todas, as vidas...
Há também muito incumprimento de gente, que se modela, depois, acima dos setenta e dois...ou até, não.
Há quase tudo. Menos pombos, que insistem em passear as asas encolhidas, pelas beiras dos passeios. E só as abrem, quando plenamente, precisam de sonhar.
Com as minhas vou a setenta e dois centímetros de espaço. Um azar perdido...numa sorte desmembrada. Ou somente uma presença, num lugar de quase tudo...o intervalo de praticamente nada.
Com as minhas vou a setenta e dois centímetros de espaço. Um azar perdido...numa sorte desmembrada. Ou somente uma presença, num lugar de quase tudo...o intervalo de praticamente nada.
Alguma gente se lembraria de descrever a vida, no limite dos setenta e dois centímetros , a partir do chão. Limite que me encolhe os ritmos, por baixo do horizonte...
Não faço ideia porque me deram estas semi-asas, que me permitem a distância e a proximidade. Num voo tão breve, para lugar algum...
(este texto pode ser lido tanto em prosa poética como em poesia)
(A fotografia é do fotógrafo Mário Castello)
domingo, 25 de março de 2012
Não haveria mais palavras escritas
Não haveria mais palavras escritas. Quando muito pensamentos errantes, num mundo indefinido.Mas nada, de palavras escritas.
Conceitos desnorteados, sem rumo, iriam agora acotovelar-se à esquina da imaginação numa espera silenciosa e desnecessária.
O dia nasceria em folhas brancas. Promessa, já sem espanto.
Alguém decretara: não haveria mais palavras escritas.
Quatro ou cinco fazedores de prosa, não mais, a correram os dedos pelo teclado, toda a noite, até ao alvorecer da ausência. Enquanto a esperança não recolhesse no silêncio de duas ou três ou sete paredes, enviesadas, eles escreveriam.
Conceitos desnorteados, sem rumo, iriam agora acotovelar-se à esquina da imaginação numa espera silenciosa e desnecessária.
O dia nasceria em folhas brancas. Promessa, já sem espanto.
Alguém decretara: não haveria mais palavras escritas.
Quatro ou cinco fazedores de prosa, não mais, a correram os dedos pelo teclado, toda a noite, até ao alvorecer da ausência. Enquanto a esperança não recolhesse no silêncio de duas ou três ou sete paredes, enviesadas, eles escreveriam.
As partituras foram as primeiras. Começaram a deixar escorregar colcheias e semi breves, em catadupas, num cesto sem memória.
Homero, deixou de respirar no último minuto do dia.
Shakespeare chorou todas as imagens, e desbotou.
Ainda se pensou que o poema sobreviveria...rápido e esguio, numa fuga insane, por páginas adentro, de silêncios e emoções. Tudo, o que doravante, ficaria por dizer...mas não.
O poema morreu! Às mãos de um qualquer adjectivo.
Restou a paisagem. Indizível. Indescritível.E, o mundo todo. Redondo e aflito, num perpétuo mutismo de Si...
.
sábado, 24 de março de 2012
quinta-feira, 22 de março de 2012
Uma blogueira na festa da poesia
Foi ontem em Almada.
Aqui a blogueira, apareceu como sempre...sem nada previsto. Nem um poema escolhido...
A coisa prometia correr mal. Muito mal. Não para a festa que ia grande em poesia, mas para a blogueira que estava acabrunhada...
Num momento qualquer, resolveu que poderia participar, mesmo não tendo nada...e saiu assim: (mais ou menos. O mais, perdeu-se no improviso e a atrapalhação das luzes.
Não trouxe sorrisos,
Sequer palavras,
Sequer silêncios,
Nada, na palma da mão.
Não seria preciso,
Nem haveria razão,
No dia da poesia.
Não sobrariam palavras,
perdidas por esse chão...
Escondidas numa qualquer destas esquinas (havia umas colunas que se viam do palco)
acotoveladas, quem sabe?
À vossa solidão. (aqui correram-se riscos...)
Não trouxe comigo palavras...
Mas trouxe comigo, paixão.
Depois disto a coisa compôs-se... e arrancou-se mais este...
É muito bom fazer poesia,
Quando a poesia quer.
Por vezes só há silêncios,
Nenhuma palavras lavrada,
nada, de encanto ou paixão.
Só sombras na madrugada,
penumbra esquecida de mim.
É muito bom fazer poesia,
Se poesia sorrida
Na água branda de palavras,
Do tempo, da nossa vida.
O momento do "teleponto, quase inútil" ficou registado para a posteridade e a blogueira, embora embevecida com os aplausos, das estrofes, pela gente benevolente de Almada, tão cedo não se mete noutra. Para a próxima leva o trabalhinho feito de casa comme il faut.
A fotografia e o convite, foram do Luís Milheiro. A trapalhada, foi mesmo desta que se assina.
Aqui a blogueira, apareceu como sempre...sem nada previsto. Nem um poema escolhido...
A coisa prometia correr mal. Muito mal. Não para a festa que ia grande em poesia, mas para a blogueira que estava acabrunhada...
Num momento qualquer, resolveu que poderia participar, mesmo não tendo nada...e saiu assim: (mais ou menos. O mais, perdeu-se no improviso e a atrapalhação das luzes.
Não trouxe sorrisos,
Sequer palavras,
Sequer silêncios,
Nada, na palma da mão.
Não seria preciso,
Nem haveria razão,
No dia da poesia.
Não sobrariam palavras,
perdidas por esse chão...
Escondidas numa qualquer destas esquinas (havia umas colunas que se viam do palco)
acotoveladas, quem sabe?
À vossa solidão. (aqui correram-se riscos...)
Não trouxe comigo palavras...
Mas trouxe comigo, paixão.
Depois disto a coisa compôs-se... e arrancou-se mais este...
É muito bom fazer poesia,
Quando a poesia quer.
Por vezes só há silêncios,
Nenhuma palavras lavrada,
nada, de encanto ou paixão.
Só sombras na madrugada,
penumbra esquecida de mim.
É muito bom fazer poesia,
Se poesia sorrida
Na água branda de palavras,
Do tempo, da nossa vida.
O momento do "teleponto, quase inútil" ficou registado para a posteridade e a blogueira, embora embevecida com os aplausos, das estrofes, pela gente benevolente de Almada, tão cedo não se mete noutra. Para a próxima leva o trabalhinho feito de casa comme il faut.
A fotografia e o convite, foram do Luís Milheiro. A trapalhada, foi mesmo desta que se assina.
quarta-feira, 21 de março de 2012
terça-feira, 20 de março de 2012
I Pode
Foi com um simples gesto que abri duas ou três janelas de alma, no meu I Pod. As emoções, essas, há muito, que circulavam no teu I Touch.
Não me esquecerei de reescrever todos os dias, um sms, ao fundo do tempo, para continuar a respirar a tua paisagem. Letras desalinhadas de vida. Desencontradas dos momentos correctos. Sempre à espera que a nova versão, te embrulhe outra vez de espanto, te envolva o riso e, te recupere na dança.
Longe ficará o tempo parado. Esquecido de si. Sem força para recomeçar. Um baraço de vento, quase inaudível...não, eu não posso... E a vida a impor-se a cada ocasião precisa. Longe. Cada vez mais longe, da tecnologia de ponta, num carregador antiquado, sem nenhuma conexão, mas pleno de abraço.
segunda-feira, 19 de março de 2012
quinta-feira, 15 de março de 2012
Paisagens descoloridas, sem tempo de recordação
Todos os dias desapareciam paisagens e lugares.
O tempo das recordações esmorecia, com a falta de pouso.
No jardim, mesmo em frente, restava um único banco para acomodar o resto do horizonte.
O vazio, crescia e com ele o silêncio. Descolorido e generoso. Na quietude mansa, das coisas que não se renovam. Do tempo que nem acontece.
Podiam abrir-se as janelas que davam para o mar e não encontrar sequer vestígios de água. Nem os areais, os muros brancos (seriam brancos? ) junto ao cais. Ou um voo de pássaros, adornado, à rota do esquecimento.
Destemperado, rodava agora o mundo. Sem espaço para se perder na curva abraçada de nenhures.
Entre o lado de cá e o lado de lá, um abismo, requisito de sombras, que paulatinamente substituíam sem dó os lugares, e os esvaziavam do acontecido.
Nunca mais se pintaria nada, com as mesmas dores...
Seriam nuances de paletas, quase impossíveis, a sugerir agora, as poucas recordações. E o luar, manchado de ausência.. E as estrelas, despidas de luz...
(a fotografia é do fotógrafo Mário Castello)
sábado, 10 de março de 2012
Rostos de fachadas, por limpar
Não lhe era fácil, passar o dia a lavar fachadas.
O extremo cuidado na limpeza dos rostos, de toda a vizinhança, sem nenhuma excepção.
O extremo cuidado na limpeza dos rostos, de toda a vizinhança, sem nenhuma excepção.
Trabalho meticuloso que envolvia perícia. Sobretudo na ombreira das existências.
Eram quatro ou cinco quarteirões. Como poderiam ser seis ou sete. Ou doze... ou toda uma freguesia.
Tinha como única referência o sol. Relojoeiro seguro, no compasso da remoção das manchas, tantas vezes imperceptíveis ao comum dos mortais. Por opção de mortalidade, seguramente.
Tinha como única referência o sol. Relojoeiro seguro, no compasso da remoção das manchas, tantas vezes imperceptíveis ao comum dos mortais. Por opção de mortalidade, seguramente.
O final do dia apanhava-o absorto, a contemplar os passos, adivinhados, dos habitantes desses lugares, imaculados.
Em silêncio, despejava lentamente o balde cheio, de água suja.
Em silêncio, despejava lentamente o balde cheio, de água suja.
Subia os quatro degraus, meios esboroados de tempo,. Um de ontem. Um de hoje. Um de sempre e um de quase nunca... que o conduziam às seis ou sete paredes, albergue dos próprios silêncios e, dos sons, que vinham vindo... e esperava, de olhos postos no tecto, da única casa sem janela e, nenhuma fachada, desse lugar.
Por volta da meia noite, voltaria a sair.
O balde de água suja, substituído por um de tinta negra.
( a fotografia é do Rui Andrade- Viseu à noite )
quinta-feira, 8 de março de 2012
Dia Internacional da Mulher
Por mãos de mestre.
Talvez o melhor vídeo, em marketing pessoal, de um cantor romântico, que eu conheço.
Aqui não se deixam créditos por mãos alheias. Nem créditos, nem olhares, nem gestos, nem posturas. Nada!
Júlio, por ele próprio, no dia internacional da mulher e nos outros todos!
Pois, chamem-lhe piroso...
sábado, 3 de março de 2012
Sonhos numa mala de couro, em Si menor
Queria tanto guardar os sonhos numa mala de couro. Forte e robusta.
Queria tanto guardar os sonhos, numa mala de couro. Forte e robusta, com uma pega sólida.
Queria tanto guardar os sonhos, numa mala de couro. Forte e robusta, com uma pega sólida.
Queria tanto guardar os sonhos, numa mala de couro. Forte e robusta, com uma pega sólida e uma fechadura.
Queria tanto guardar os sonhos numa mala de couro. Forte e robusta. com uma pega sólida e uma fechadura. E se calhar, numa outra mala, ainda. Mais pequena, dentro da mala grande...os sonhos arrecadados aos pares, por forma a nunca mais, sequer, ousarem respirar.
Seguiria assim...em passos mudos e breves. Numa sinfonia de Si menor. Pela vida fora.
Queria tanto guardar os sonhos numa mala de couro. Forte e robusta. com uma pega sólida e uma fechadura. E se calhar, numa outra mala, ainda. Mais pequena, dentro da mala grande...os sonhos arrecadados aos pares, por forma a nunca mais, sequer, ousarem respirar.
Seguiria assim...em passos mudos e breves. Numa sinfonia de Si menor. Pela vida fora.
O caminho: plano e pesado. Por força das malas de couro, das pegas, das fechaduras.
Um dia , por aí, podia guardar-se também a Si.
Esqueceria depois as malas num qualquer lugar...que nunca debaixo do sol. Que nunca, ao alcance do mar.
O sol, desbotaria as fechaduras. O mar, salgaria, seguramente, o olhar.
Ninguém, absolutamente ninguém, iria reparar...
Um dia , por aí, podia guardar-se também a Si.
Esqueceria depois as malas num qualquer lugar...que nunca debaixo do sol. Que nunca, ao alcance do mar.
O sol, desbotaria as fechaduras. O mar, salgaria, seguramente, o olhar.
Ninguém, absolutamente ninguém, iria reparar...
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Nunca iria ser poeta
Não iria ser poeta. Jamais iria ser poeta.
O tempo das palavras delirantes, angustiadas, desarvoradas, arrumadas por linhas e linhas de angústia e sofrimento, não faria sentido...faria com que não fizesse sentido.
Uma boa noite de sono. E as palavras surgiriam tão serenas como os dias. Ou muito mais serenas, ainda, do que os dias. Numa constância de parágrafos desassombrados, ao encontro de enredos mais ou menos expectáveis.
Não, não iria nunca ser poeta. Passar o tempo a semear palavras que depois exigiriam monda e regadio.
Dias e dias de emoções, a gear em cima de estrofes. De chuvas de medos, torrenciais, a derrubar rimas. De seca...de seca...de seca...num movimento ritmado do pó do tempo, que abafa a memória e deixa a história quase toda por contar...
Não não iria ser poeta. Os dias sofridos em substantivo. As noites passadas em verbo...
Respirou suavemente, todas as sílabas de que se lembrou. Que transportavam um ar puro, levezinho.
Encostou-as à janela e deixou-se escorregar para um sono sem memória
De manhã, não se lembraria de nada...
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
domingo, 26 de fevereiro de 2012
Embrulhos de vida, a caminho da foz
Cada vez que se perdia um laço, ou amarrotava, inadvertidamente uma história, era necessário recomeçar...
Embrulhos pequenos, de todas as coisas ditas. De todas as coisas pensadas. De todos os gestos perfeitos e menos-que-perfeitos. Dos ensaios das histórias, em passos largos de imaginação.
Todos eles, empacotados cuidadosamente. Um a um. Sem esquecer nem um dito, nem um arrependimento, nem um sorriso, oferecido a quem se esqueceu de passar, há uma hora da tarde, pontualmente, no final do cruzamento, onde acaba a constância da terra e começam os limites vagarosos do mar.
Era assim, todos os finais de dia.
Com o vagar da memória, a orientar-lhe os gestos repetidos da tesoura, nos papeis coloridos e nos laços, que por vezes teimavam em escorregar. Desacerto, de acontecidos...
Seguiriam no barco do romper da aurora.
Como destino, o passado bem arrumado, ao fundo do rio, depois da curva de si e, de todos. A caminho da imensa foz. Onde um dia desaguariam serenamente, todos os pedaços assim, cuidadosamente embrulhados, da sua vida .
(a fotografia é do fotógrafo Mário Castello)
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Valsa de máscaras sob o céu de Tépsis
Começaremos a noite, com um olhar penetrante, num abismo rendilhado. Intransponível, entre a minha imagem resguardada. E, o teu silêncio prometido.
Doze serão as valsas a completar a nossa paisagem. Num compasso mais que necessário.
Nem menos um passo. Nem menos uma nota. Nem menos uma gargalhada contida.
Rasgaremos assim o tempo, devagar, num soberbo espectáculo, antecipado, de nós. Sob o céu estrelado de Tépsis...
No tempo próprio. Antes do naufragar das estrelas, pela orla breve do amanhecer, cairão as máscaras. Todas as máscaras. Sejam elas, de rasgos de papel, tecidas de pasmo, enfeitadas em tinta, ou temperadas no ferro.
Uma e depois a outra. Ou uma, sobreponível à outra.
Imagens distorcidas, já sem espelho. Vazias.
Alcançado, agora somente pela tua mão, estará o meu sorriso. Ou, se preferires, pela mão de Adónis. Para assim, deslizares sereno, junto ao canto da alma e, te embriagares de mim.
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Numa roite de bússolas e sextantes de luar
Nada à vista, a não ser a respiração vagarosa da luz, prometida pela cadência desconcertante da lua. Ora em passos longos de volta redonda. Ora em minudências de ritmos apertados.
Ondas vagamente iluminadas, encerravam sempre viagens prolongadas. E o destino era tão incerto, quanto os caminhos de si.
Saía sempre tarde. Sem rota traçada, numa carta de mar aberto.
Hoje a percepção de uma onda de mágoa. Amanhã a lucidez, da alegria esfuziante, de um dia de abraços. Retido por todas as gotas da memória, que se pudessem dali abarcar.
Não havia nunca redes lançadas ao mar.
Nada para retirar, à força, do tempo.
Só uma estrada plena e, sem rumo preciso, no alcance de toda uma noite.
Amanhã, os caminhos seriam outros. Poderiam leva-lo a um molhes de gargalhadas, ou a um abalroamento manso de imagens, mais ou menos desfocadas.
Viajaria sempre. E cada vez mais. Para dentro, cada vez mais para dentro. Num horizonte pleno, de um suave marulhar.
E de todas as noites que partia, vestia-se de espanto. Por nunca, mas nunca, naufragar.
Ondas vagamente iluminadas, encerravam sempre viagens prolongadas. E o destino era tão incerto, quanto os caminhos de si.
Saía sempre tarde. Sem rota traçada, numa carta de mar aberto.
Hoje a percepção de uma onda de mágoa. Amanhã a lucidez, da alegria esfuziante, de um dia de abraços. Retido por todas as gotas da memória, que se pudessem dali abarcar.
Não havia nunca redes lançadas ao mar.
Nada para retirar, à força, do tempo.
Só uma estrada plena e, sem rumo preciso, no alcance de toda uma noite.
Amanhã, os caminhos seriam outros. Poderiam leva-lo a um molhes de gargalhadas, ou a um abalroamento manso de imagens, mais ou menos desfocadas.
Viajaria sempre. E cada vez mais. Para dentro, cada vez mais para dentro. Num horizonte pleno, de um suave marulhar.
E de todas as noites que partia, vestia-se de espanto. Por nunca, mas nunca, naufragar.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Jardineiro de urze nas portas da Primavera
Não havia pressa. O sol que se espreguiçasse entre as margens, com o Douro a sorver-lhe a luz.
Passar de um lado para o outro, seria um simples sopro. Mal a brisa do fim da tarde se levantasse.
Por agora a quietude necessária a uma conversa de planuras.
Onde mais poderia questionar a alma sobre a ligeireza dos dias, com que ia deixando vazios, os canteiros, em que insistia em arrancar flores. Todas as flores, uma a uma, para plantar somente urze.
Seria assim, de urze, que as portas suspirariam, na esquina da Primavera, a dar passagem ao rio, respondia-lhe o eco.
De urze apenas...
Não haveria por isso lugar a pétalas suaves, na borda de água. Nem sequer por ordem dos sonhos coloridos de borboletas...
(a fotografia foi tirada da net)
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
Guarda chuva de abraços
Podias ter passado por cima de cada uma das gotas, que ecoavam, do último patamar da tua existência. Não fora dar-se o triste caso de teres nascido sem asas. Nenhumas asas. Nem daquelas, pequeninas, que nos embalam devagar, os sonhos. E, nos permitem fingir que voamos. Mesmo que seja só até ao cimo do quarto. No espaço de divisória da placa, aos pés do armário, repleto de recordações, dos vizinhos do quarto andar.
Foi por causa disso, que bordei, a tarde toda, um guarda chuva de abraços. Pequenos. Entrelaçados. Partindo do princípio que se sairias assim, sozinho, num dia de chuva, sem saberes voar, nunca mais te encontrarias.
Foi quase isso... A água que caiu toda a noite, ensopou-te de tal forma os olhos, que de manhã, só por mero acaso, os encontrei.
Estavam vazios e meios desmaiados de luar.
por cima, duas mãos estendidas, enrodilhadas nas linhas coloridas . Os nós desfeitos. O pontos perdidos.
O que restava do meu guarda-chuva...de abraços.
A fotografia é do fotógrafo Mário Castello
terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
Carta à minha memória ( III )
III
Silêncio
Minha memória,
Recebo quase tudo. Em catadupa.
Os natais que me mandas aos pares. Com enfeites escolhidos
criteriosamente, nos anos felizes. Chegam ainda com os laços da alma e
os nós da festa por desatar. Porque todas as festas têm nós. Às vezes
desatam-se e outras vezes permanecem...
Também recebo muita gente. Gente que não esqueço. Empacotada esmerada mente em sorrisos que se
acotovelam à minha existência e, me vão fazendo cócegas por cima de
tudo, do que já me habituei a reaprender. Vezes e vezes sem conta.
Não sei se já te disse, mas esses envelopes de alma, em que me remetes a vida, cheiram a lavanda.
E os selos especiais de girassois...Chegam exaustos. De pescoços
torcidos, nas voltas e reviravoltas do correio. Mas sempre carimbados de
sol.
um dia vou tirá-los cuidadosamente com uma pinça, dentro de uma bacia de
água, como fazia o meu avô. Nos tempos em que já era dono de uma grande
parte de ti, memória. Para os colar, quem sabe, num futuro...
Recebo tudo, como te digo, mas não recebo nem as ausências, nem as pausas, sobretudo os silêncios.
O que fizeste com esse tempo de respiração, eu não sei...
Mas se não me mandas os meus silêncios de vida, pode ser que nunca mais
consiga desabotoar a imaginação, que me retempera os dias.
Há muito barulho aqui. Demasiado barulho e pouca ausência. Por mais que procure...
Eu sei que havia silêncios. Muitos silêncios. Ausências...um fio de vento que me percorria os dedos, a murmurar paisagens.
Encontro alguns, mas não todos.
manda-mos. Saberei escolher os necessários, para continuar.
Até sempre memória.
F.V.J.
(este texto foi escrito originariamente para o blogue Cartas aos mollhos (Palavras aos folhos) )
(a imagem foi tirada da net)
(a imagem foi tirada da net)
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
4 de Fevereiro - Dia Mundial contra o cancro
Um dia, este dia, que celebramos todos os dias, afinal, não precisará de efeméride para ser lembrado. Esperemos, que assim seja...
Até lá...parece-me que talvez a receita acima, seja mesmo, uma das mais importantes.
A todos os que aqui passam, que por este ou aquele motivo já sentiram de mais perto, razões acrescidas para esta comemoração, a minha solidariedade.
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Sol entornado em quarto minguante
Foi o dia todo assim, num destempero de gargalhadas. A pontilhar de prata o azul. A correr atrás das sombras, até as fazer corar.
Uma dança frenética de cores. Aqui e ali, adoçadas por gelados, desmaiados, nas mãos nuas, como se fosse mesmo verão.
Rimou com calor.
Rimou com brincadeira.
Rimou com faces afogueadas.
Ritmos coloridos num areal surpreso. De grãos, acordados à força.
Diz quem a viu, que passou o dia escondida. Acabrunhada, entre o último toldo, ainda por montar e, o paredão. Numa nesga branca de quase nada.
Uma pálida e esguia figura. A lembrar uma qualquer fatia de melão esquecida, da última estação... Debruçada sobre a sua própria sombra...numa nesga ínfima de luz. Nas mãos um copo. Um minúsculo copo, sem mais nada.
Passou o dia a passear. Em mangas de água morna. De braço dado, ora ao Suão, ora à à brisa alegre que vinha do mar.
Sorriu com os peixes. Apanhou conchas fechadas e, abriu-as com o olhar rasgado de luz .
Às mãos cheias distribuiu carícias...
Subiu alto. O mais alto que lhe foi possível, para poder acenar.
Sem nenhuma discrição, fez despir os abafos, Descalçar as meias, que convidavam à transparência.
Jazia ali, num embalo próprio do tempo que não se mede, mas que se sabe que acontece. Os joelhos encostados ao queixo. Uma névoa a trespassar-lhe a alma, feita de restos de luar...
As horas passaram. Quem estava na praia, ainda, viu.
Ela levantou-se, frágil. Encheu o copo com os restos desse sol destemperado, num Inverno, rodopiante de luz. E, sem dizer nada, entornou-o, por cima do mar.
Subiu ligeira. E, lá está a balouçar, em quarto minguante...
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Viagem inventada em sons inexistentes
Limitei-me a contar os carris, que são sempre dois e, transportam o olhar para o horizonte, mais ou menos dilatado. Mesmo assim, reconheço, que por vezes me desconcentrei desse cenário sem rumo, para adivinhar nos rectângulos metálicos das janelas, desfeitos do quadrado original por pedaços retorcidos, rostos quedos, que nunca devem te existido. Ou a terem existido, existiram unicamente vislumbrados.
Bocados de olhos, misturados com pestanas ensonadas, ombros descaídos e mãos pousadas em colos, sem história.
Será?
Pus-me a pensar se os colos teriam histórias e, se as mãos as segurariam ou se as deixariam escorregar por entre os carris. Não poderia nunca saber…a não ser se de repente, as carruagens se enchessem de sons, que são os invólucros das histórias. Sons de lágrimas a rolarem, de gargalhadas desabridas, de murmúrios sussurrantes.
Mas não havia sons. Só se os inventasse.
Não era fácil inventar sons, assim…adaptá-los aos rostos, às pestanas, aos colos e alinhá-los entre tantos vagões.
Por isso, deixei-me ficar a olhar os carris, paralelos até à curva, que não se quer por companheira, sem imaginar o destino.E, muito menos o retorno.
O tempo ficava-se por ali.
E eu deixei-me ficar com ele...
domingo, 29 de janeiro de 2012
"Os descendentes" / Cosmética Clooney
Fui ver este "descendentes" com a expectativa de um filme para "descolar" a imagem, demasiado gasta pela publicidade, de George Clooney. E, no intuito de o relançar como actor...e foi isso que vi. Exactamente e, só.
Um filme nomeado à partida...não consegui perceber porquê.
Uma história banal, num enredo feito à medida, do omnipresente Clooney.
Mostraram o homem, (Grandes angulares, pequenas angulares, todas as angulares) que envelhece bem, ao mesmo tempo que segura as rédeas da vida familiar. Desmontaram a imagem de galã, mais que batida, num enredo de fragilidades masculinas, dentro do óbvio. E, acabaram com uma imagem de força à boa maneira americana...não fosse alguém duvidar da masculinidade do homem. Uma vez, que evitaram toda e qualquer exposição da sensualidade do actor. Tal como se previa, de resto. Não há por isso nenhuma história de amor. Nada. Zero absoluto!
Clooney de cabelos brancos, em estilo vinho do Porto. e, pronto para um grande filme, depois desta cosmética, inevitável, ao Sr. Nespresso.
Personagens femininas inexistentes ou reduzidas a décor.
Para quem gosta de Clooney é bom. Fica-se com pena e apetece dar colinho.
Não gosto especialmente de Clooney . Muito menos na versão colinho...por isso aguardo por dias melhores.
sábado, 28 de janeiro de 2012
Barragem de abraço
Começou a chorar.
As lágrimas a rolarem a espaços. Primeiro na cadência da tristeza, depois na velocidade absurda do abandono.
-Sr. José não vale a pena. A vida recomenda prudência, nas reservas hídricas...
E as lágrimas que corriam cada vez mais velozes e se juntavam já aos pés da cama, numa poça perdida...
Sem quase se dar conta, o ribeiro, atravessava os corredores, encharcando todos os passos, que passavam aflitos.
Não haveria mais marés baixas. Sabia que não haveria mais marés baixas. Apenas esta última preia mar, tumultuosa, que lhe afogaria todos os sonhos. Um por um. E, de vez.
- O que posso fazer por si?
- Se me chegar o espelho...
Era a vida agora, disforme, na pressa de chegar a lugar algum. Molhada e silenciosa. Desfocada num olhar translúcido, de água e mais água . De todas as nascentes juntas a correr para uma só foz. A derradeira foz.
Com a força que lhe restava, atirou fora o espelho. E, com ele, o triciclo encarnado, a bola, presente do avô. A primeira gravata , o beijo, a descoberta, o riso, o desejo, a viagem tão bem preparada...
Foi o tempo de um raio de sol e uma barragem: serena e firme, de um último abraço...
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