Não acabam as tarefas. Só o tempo de as fazer se torna escasso a cada urgência, a cada volta do relógio, a cada hesitação.
Não sei se gaste o tempo que me resta nesta vertigem de fazer as coisas, incessantemente. Talvez deva parar, respirar pausadamente e esperar que a curva do relógio se balance por cima de um estendal de camisas brancas e pássaros.
As camisas oscilam numa nuvem de penas e os pássaros enchem-se devagarinho de mangas e colarinhos.
Não há premência no vento que entrelaça
os pássaros, as coisas, as tarefas e as horas. Nenhuma premência e nenhum caminho, pelo menos desses que se tornam visíveis mesmo por entre a neblina.
Inspiro agora sofregamente o ar.
As
coisas que ficaram por fazer acomodam-se, instintivamente, amontoadas debaixo de uma cadeira. Por cima a roupa usada, por baixo o que ainda não está feito. O que nem sei se algum dia estará feito.
Os segundos transpiram-se por entre os meus dedos inertes, de cada vez que olho para o relógio e o confronto com a realidade.
O ar que respiro é sempre mais denso, menos transparente, uma papa híbrida de espaço, angústia e maresia que me cavalga pelas narinas.
Penso por um momento
em adormecer, em me atirar para debaixo da roupa e me aninhar contra as costas das coisas e das tarefas, deixar-me ficar ali, à espera dos sinos que tocam no alto da torre da igreja, em tempo de aleluia.
Filipa Vera Jardim
Imagem: " Um escritório de algodão em Nova Iorque" Edgar Degas