Antes de ontem o tempo era diferente. Sabia a terra, a sal da terra e tinha gente. Antes de ontem, as horas passavam céleres pela curva perfeita do relógio, sem olharem para trás. Os cabelos das horas voavam a cada minuto, os sorrisos das horas sucediam-se numa cadência ritmada...Antes de ontem.
Ontem suspendeu-se tudo. Um repente de suspensão dos passos, das necessidades, da urgência de ir e de voltar, do pensamento, ate
é. E o mundo, o mundo reduziu se instantaneamente ao tamanho de um espaço vazio e de um silêncio. Quem olhasse o relógio, ontem, encontrá lo-ia pasmado. Como se nada se passasse, nada acontecesse. E isso foi ontem.
Depois disso não houve mais tempo, mais espaço, mais gente e eu fiquei aqui. (...)
in " Os dias da Peste" Organização de Teresa Martins Marques e Rosa Maria Fina , PEN Clube Português, Gradiva, Julho de 2021
Imagem: "O triunfo da Morte " Pieter Bruegel