quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

A selva

 

Era de piso assimétrico o terreiro grande da selva.
Por dentro, o espaço cingia-se a um orvalho matizado de negritude entre-cruzado no lajedo irregular. Ninguém percorria o lugar. Como se a quietude os mantivesse suspensos da sua própria respiração. Quietos, calados, absortos, sentados, encostados a essa paragem.

Uma pequena louva- a- deus pousou brevemente nos olhos que se deslizavam por ali, de uma mulher. Contemplar passou a ser então a sua única tarefa, feita em batimentos leves e ondulados de duas asas semitransparente.

Em volta,  os que ficavam, nem sequer se aperceberam. Como se nada tivesse acontecido que valesse a pena. E afinal, tratava se de uma eventualidade única na selva: o bater de asas de um louva- a -deus nos olhos de uma mulher.  
Nunca, nenhum pássaro se tinha aventurado sequer naquelas paragens. Uma selva de cimentos e aço, de negritude e lajedo não era lugar onde uma ave pousasse.

A selva não tinha constância nenhuma. Hoje podia amanhecer negra e amanhã sem cor. Raras vezes o amarelo se passeou por ali e de azul não havia um único traço. Apesar disso, as asas semitransparente do  louva- a- deus conseguiram, no aquoso da íris dos olhos da mulher, pincelar uma esperança. Uma pequena e minúscula esperança.
 A mulher chorou então uma espécie de rio que correu por ali abaixo e lavou. Lavou os passos quietos dos que permaneciam, sentados, absortos e sem reparar. Lavou as lajes negras da selva e revelou-lhes a brancura original. Lavou os traços ténues da imaginação que jazia  colada ao chão e, elevou-a  ao azul a espreitar no ar.


Imagem: "El hombre controlador del universo" Diego Rivera 1934