terça-feira, 24 de dezembro de 2019
Boas Festas
Boas festas a todos os que visitam este espaço. Com os votos de que o novo ano vos traga saúde e muita LUZ
sexta-feira, 8 de novembro de 2019
Recta Absoluta
Devagarinho, acomodou-se ao nicho. As pernas de encontro ao queixo, no único lugar que lhe permitiria permanecer, até que a luz o invadisse de novo.
Toda a noite as badaladas ecoaram um sibilante: tzim tzum, tzim tzum, tzim tzum sem que uma única fresta lhe traçasse um caminho.
Seria qualquer um, esse caminho, menos o da escuridão… Tizm tzum, tzim tzum, tzimtzum
Adormeceu algures entre a terra, o seu coração e a eternidade, embalado pela branda presença do som que lhe lembrava um outro amanhecer.Quando acordou, reparou que a única porta fechada lhe estendia uma recta absoluta. Com os olhos semiabertos, decidiu-se então começar a caminhar.
Imagem: Quadro de nadir Afonso
terça-feira, 15 de outubro de 2019
Naufragio
Comecei a navegar pelas bordas da tua urgência, devagarinho e com terra à vista. Depois, fui percebendo que é sem pé que se alcança a ternura e que o fundo do mar e o fundo da terra são um e o mesmo lugar.
Parti porque havia vento e havia uma saudade imensa de horizonte.
Parti porque me esqueci de tudo o que nunca aconteceu e ontem, me parece agora, apenas um lugar amanhecido no fundo de um frasco de vidro baço.
Parti porque o sol me desdenhou sempre e de todas as vezes que se encostou à curva da minha lonjura.
Desde ontem que navego e não vejo senão horizonte. Um mar que me serpenteia entre os anseios e ninguém. Um mar que me serpentei entre as recordações e ninguém. E o espanto atravessado na crista de cada uma das ondas que procuram um lugar.
Desde ontem que navego e não sei se algum dia aportarei.
Imagem: "La radeau de la meduse" de Theodore Gericault
sexta-feira, 13 de setembro de 2019
Debruço me sobre a tua ausência e tenho medo
Paro de repente e percebo que não estas.
Ninguém pode parar assim, de repente porque tempo urge, a felicidade reinventa-se todos os dias e com ela os nossos passos e os nossos anseios. Mas é assim, eu paro agora, de repente, e percebo que não estas.
Não sei se já estiveste ontem. Ontem é demasiado longe para eu perceber. Demasiado irrelevante para eu me preocupar. Não sei sequer se é bom lembrar-me de ontem. O passado é apenas e só o passado.
Olho e não te vejo.
A vida é feita de exigências momentâneas. Exigências enormes que abarcam quase tudo o que fazemos, quase tudo o que pensamos. Exigências que se estendem a tudo o que comemos, a tudo o que compramos e a tudo o que sonhamos. Quem exige, eu não sei. Não me pergunto. Ninguém se pergunta. As perguntas apenas consomem sem nada produzir.
Não estas aqui. Sei que não estás. O meu olhar não te encontra, os meus braços não te tocam, e há um silêncio que devagarinho se vai acomodando.
Ninguém precisa de silêncio. A vida é para se cumprir em cada um dos instantes que se agarram às mãos cheias. São instantes que se transformam rapidamente em sucesso visível, para que a existência seja toda ela, um êxito.
Continuo parada. Não posso estar parada. Preciso de continuar. Mas é o medo sabes. Um medo aquoso e frio que me atravessa todo este dia
É a tua ausência. Debruço-me sobre ela e tenho muito medo!
Pintura liquida de Pery Burg
sexta-feira, 6 de setembro de 2019
Absoluto
Despedi-me do mundo, das coisas, dos acenos e das respostas e entrei.
A casa pareceu-me o absoluto.
Se felicidade houvesse, ela estaria toda ali, entre as linhas paralelas das portas abertas e as perpendiculares desenhadas na janela curta ao fundo da cozinha.
Lá em baixo o saguão transpirava.
Ouvia-se a transpiração do saguão e um arfar contínuo das paredes que se comprimiam em redo do espaço cerrado.
Era de facto, o absoluto. Ou então, o mais parecido com o absoluto.
Um mar de respostas adormecia em cada um espaços, côncavos, deste lugar.
Nenhuma abertura e nenhuma paisagem.
Sentei-me de costas e comecei então a perguntar-me…
Fotografia de Ben Goossens
quarta-feira, 28 de agosto de 2019
Flôr de jasmim
Adormeci por debaixo da tua ousadia.
O espanto acobertou-me os olhos, as angústias e o lugar.
Debruçado na sombra de um infinito que desconheço, imagino apenas que amanhã farei um castelo de espuma na beira do teu sorriso
E depois, levá-lo-ei embrulhado numa flor de jasmim ao lugar de um céu.
Quadro de Rafal Olbinski
domingo, 14 de julho de 2019
Pudesse eu ser mulher
Deram-me o espaço e o tempo. E, as portas abertas para lugar nenhum.
Deram-me janelas, completamente desertas.
Depois, deram-me as horas, todas as horas que eu quisesse, para poder pensar e um rosto pálido, descolorido, de tanta ausência.
A espaços, cederam -me bocadinhos de vida. Creio que de alguém…Nem eu sei.
Eram retalhos coloridos que encaixava, meticulosamente, entre os minutos de todas essas horas. A segundos, por vezes, das recordações.
Como se eu pudesse ter recordações…
Alegrias limitadas e consentidas por ora e, permanentemente vigiadas.
Alguma vez, se assim fosse, eu começaria lentamente a construir-me de coisa alguma.
De sabor, de calor, de barro, de cor, de acontecimentos… Ah, nesse dia, eu saberia: seria então, mulher!
As minhas janelas teriam vista de horizonte. Seriam janelas abertas para prados de mar e lagos de erva-doce.
As minhas portas cheias de gente.
Um dia…pudesse eu ser mulher!
imagem: mural de rua na cidade de São Paulo, Brasil, da autoria de Nina Pandolfo
segunda-feira, 8 de julho de 2019
Decidira-se a permanecer
Sentara-se naquele lugar havia tanto tempo…
Ninguém lhe tinha dito que havia um momento próprio para sair, um tempo correcto de abandonar.
O lugar parecera-lhe imenso, com espaço para o resto de quase tudo o que já sonhara, o resto de quase tudo o que ainda não vivera.
Sentado, as mãos caídas no colo, o olhar absorto, o mundo algures e esse único lugar…Quem sabe, uma pequena conquista ao infinito.
Não passara por ali ninguém. Nem o tempo, nem nenhum outro espaço, nem sequer a sombra de um silêncio ou de um murmúrio…as mãos caídas no colo, o olhar vazio.
Sentara-se por uma única razão: decidira-se a permanecer
Quadro: "Cadeira com cachimbo" de Van Gogh
Ninguém lhe tinha dito que havia um momento próprio para sair, um tempo correcto de abandonar.
O lugar parecera-lhe imenso, com espaço para o resto de quase tudo o que já sonhara, o resto de quase tudo o que ainda não vivera.
Sentado, as mãos caídas no colo, o olhar absorto, o mundo algures e esse único lugar…Quem sabe, uma pequena conquista ao infinito.
Não passara por ali ninguém. Nem o tempo, nem nenhum outro espaço, nem sequer a sombra de um silêncio ou de um murmúrio…as mãos caídas no colo, o olhar vazio.
Sentara-se por uma única razão: decidira-se a permanecer
Quadro: "Cadeira com cachimbo" de Van Gogh
sábado, 6 de julho de 2019
Unicornio Azul
Quantos unicórnios azuis com asas
Que dão as mãos ao infinito
E aconchegam em abraço a dor de alguém?
Quantos unicórnios azuis
que lavam as penas e sacodem o vento
E inventam o riso
Socalco de um meio de dia que não acaba…
Nunca mais acaba esse meio de dia.
Quantos unicórnios azuis encostados devagar à tua cara de anjo?
E o meu segredo
de te saber assim,
outra vez,
tão perto de Deus
quinta-feira, 20 de junho de 2019
Vazio
Vazio
Encostei devagar a minha urgência ao vazio. Acomodando o rosto, o resto e essa parte de mim de que mal me lembrava.
O vazio, apesar de tudo, tinha esquinas inundadas de grandes e pequenos espaços. De grandes e pequenos ângulos feitos de intensas oscilações acústicas que nasceram num momento qualquer, num dado instante ou, quem sabe, de um não lugar situado muito para lá da minha imaginação.
À roda do vazio, naturalmente, não havia mais do que apenas eu.
Eu e os meus pequenos ombros, a minha cabeça finita, o corpo que se aquietava quase sem sentido.
O desamparo era visível e a existência quase nula.
Deixei-me ficar pelo tempo todo que se passou. Um conjunto de horas imprecisas, de minutos apressados. Senti, por isso mesmo, o desamparo de que é feito o vazio. O silêncio que o completa , a imensa desventura e o tédio que o acompanham.
Não sei sequer se foi por um único acaso que eu me encostei assim…
Do vazio não retive nenhum produto, nenhuma lembrança, absolutamente nada.
sábado, 1 de junho de 2019
Horizonte
Pedem-me que alcance o horizonte. Por cima de todos os cinco mares.
Como se o horizonte não estivesse no fundo, rotativo, do infinito.
Como se os cinco mare não se dessem as mãos, em toda a sua lonjura. E, a água, não soubesse voar...
Quadro: Horizonte Onírico de Guillermo Serrano de Entrambasaguas
sábado, 25 de maio de 2019
Ontem foi só um pormenor
Ontem, foi só um pormenor.
O tempo tinha escorrido depressa na véspera. Muitas horas acotoveladas ao silêncio e uma madrugada rara de aroma a nunca mais.
Se te tivesse dito tudo que voltaria a ser como antes não terias acreditado. Por isso, segurei-te só devagar os ombros e balancei-os para a frente e para trás durante um exacto minuto.
Quase me seguras-te a mão.
Quase me sussurras-te
Quase me prendeste o cabelo entre os teus dedos… E vento levou de repente o único lugar de espanto: um brevíssimo segundo de que nos esquecêramos, sabe-se lá porquê…
Quadro de Kathleen Patrick
O tempo tinha escorrido depressa na véspera. Muitas horas acotoveladas ao silêncio e uma madrugada rara de aroma a nunca mais.
Se te tivesse dito tudo que voltaria a ser como antes não terias acreditado. Por isso, segurei-te só devagar os ombros e balancei-os para a frente e para trás durante um exacto minuto.
Quase me seguras-te a mão.
Quase me sussurras-te
Quase me prendeste o cabelo entre os teus dedos… E vento levou de repente o único lugar de espanto: um brevíssimo segundo de que nos esquecêramos, sabe-se lá porquê…
quarta-feira, 1 de maio de 2019
A porta do teu lugar
A porta do teu lugar abriu-se com estrondo. Lá dentro, um rasgo e um grito. Um mar de sombras pasmado e um segredo.
Entrei de rompante, segurei as abas prenhes do teu pensamento e, por causa de quase nada, deixei-me então ficar.
O balanço e a quietude do lugar, desse teu lugar, aqueceu-me o meu silêncio e destemperou-me o passo. A ponto de nunca mais ter franqueado a porta. Pareceu-me inútil o pormenor de saída.
Quadro- "Masters Musical Beginnings" de FREDO - Fernando de Jesus Oliveira
sábado, 27 de abril de 2019
O olhar
Espanta-me que não consigas ver sequer o meu olhar…
Um olhar desmesuradamente manso e sem infinito. Como se o lugar se espremesse todo para dentro e arrasta-se com ele as ideias, as lembranças, as possibilidades e o rasto do horizonte.
Lá longe, muito para lá da iris que certamente também não vislumbras, acomodado está todo o meu silêncio.
Não vês o olhar, não vês a iris, nem sequer a mácula que transporto imutável desde o dia em que nasci.
Sei que por isso, nunca mais me amanhecerei e isso basta-me.
Sei ainda que tu nunca irás entardecer e isso conforta-me.
sábado, 13 de abril de 2019
Quiosque amarelo
Desceu a par e passo até ao largo, inundado de luz e
pespontado a quiosque amarelo.
Comprou o jornal dessa manha e embrulhou meticulosamente com ele, o olhar. Depois, dirigiu-se às margens que lhe sulcavam devagarinho o espanto. E só aí, se desaguou em foz.
Comprou o jornal dessa manha e embrulhou meticulosamente com ele, o olhar. Depois, dirigiu-se às margens que lhe sulcavam devagarinho o espanto. E só aí, se desaguou em foz.
segunda-feira, 8 de abril de 2019
Templo de Palavras
Encostei-me outra noite ao teu umbral a ver como separavas devagarinho as sílabas e as embalavas no colo. Depois, quando as sentias completamente reconfortadas, arrumava-las em caixinhas coloridas. Uma caixa para as sílabas tónicas, outra caixa para os monossílabos. Duas caixas, de maior dimensão, para os polissílabos. Uma passa as mais leves e outra para as mais pesadas.
as tuas sílabas eram, na sua maioria, sílabas muito breves. Com um corpo pequeno e uma existência curta. Não queriam dizer, por si mesmas, quase nada. Limitavam-se por isso a existir, assim desalinhadas, tombadas, de braços abertos no teu colo enquanto tu, meticulosamente as separavas. (...)
Flor foi a sílaba que escolheste para me oferecer na primeira noite que passei encostado ao teu umbral (...)
Amanhã, quando madrugar, abrirás a porta.
Eu serei muito mais eu
E tu, tu serás uma vez mais o templo de palavras.
Epilogo In "Templo de palavras" Editorial Minerva Março de 2019
sexta-feira, 29 de março de 2019
Exposição de Pintura de Pedro Charters D´Azevedo
Aceitei o desafio de apresentar a exposição do Pedro Charters D`Azevedo. Os quadros são magníficos.
Estão todos convidados.
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