domingo, 1 de abril de 2012

Semi asas, a setenta e dois centímetros do chão








Vagueio pela página em branco, como por uma esquina desenhada de Lisboa.
Vagueio com as semi-asas que me fazem vaguear.
Nasci com semi-asas.
Permitem-me balouçar, expectante, a setenta e dois centímetros do chão.
 Rigorosamente, na altura, do coração de  quem passa . E,  ainda,  sem alcançar totalmente, a imaginação, de quem chega.

Setenta e dois centímetros, fazem-me contornar obstáculos. Obrigatoriamente. 
Ainda há rastos de carros, bocados de casas, de vidas, de quase tudo,  a setenta e dois centímetros do chão. E, coisas despercebidas também. Que nunca pousam definitivamente em lugar algum...
Há  muitos detritos de gente. Muitos sorrisos adivinhados. Algumas lágrimas mais que perdidas. Paisagens que se percebem em destemperos de  todas,  mesmo todas,  as vidas...

Há também muito incumprimento de gente, que se modela, depois, acima dos setenta e dois...ou até, não.
Há quase tudo. Menos pombos, que insistem em passear as asas encolhidas, pelas beiras dos passeios. E só  as abrem,  quando plenamente,  precisam de sonhar.
Com as minhas vou a setenta e dois centímetros de espaço. Um azar perdido...numa sorte desmembrada. Ou somente uma presença,  num lugar de quase tudo...o  intervalo de praticamente nada.

Alguma gente se lembraria de descrever a vida, no limite dos setenta e dois centímetros , a partir do chão.  Limite que me  encolhe os  ritmos, por baixo do horizonte...

Não faço ideia porque me deram estas semi-asas, que  me permitem a distância e a proximidade. Num voo tão breve, para lugar algum...



(este texto pode ser lido tanto em prosa poética como em poesia)
(A fotografia é do fotógrafo Mário Castello)

28 comentários:

  1. O voo é sempre sublime, tal como o sonho!

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  2. O voo rasante acaba por ser pleno porque não se esquece de quem anda com os pés assentes na terra. Por outro lado permite a imaterialização de todas as coisas, entrando no domínio dos sonhos.
    Algo surrealista esta poesia.
    boa noite!:)

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  3. Ana,

    A leitura sistemática que o texto precisava. Obrigada. Uma boa noite também para si. :)

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  4. Linda esta visão de quem nasceu com semi-asas. Intrigante e verdadeiro o que vê por cima dos setenta e dois centímetros... Linda poesia (ou prosa poética).

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  5. Obrigada Isa.
    São só semi-asas, a setenta e dois centímetro do chão

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  6. Prosa poética bem bonita para começar a semana.
    Boa semana!!

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  7. Bom dia!
    De facto a visão da vida pode ser diferente, dependendo do patamar em que nos encontramos.Gostei da espectativa em relação ao coração de quem passa e à imaginação de quem chega.Sem dúvida uma visão aberta ao presente.
    Beijinho

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  8. Tétisq, Obrigada e seja bem vinda.

    Pedro Coimbra,

    Boa semana. Ainda bem que gostou.:)

    Concha,

    A visão aberta à vida...num texto aberto a todas as interpretações. É isso que eu gosto: das vária leituras que possam fazer do que escrevo.
    beijinho e obrigada

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  9. Gostei bastante. Reparo que deixou a prosa a que se dedicava e a maioria dos seus escritos são poesia.

    Alguma razão de pairar sempre nas nuvens? Amor à vista ou já em terra? Paixão que lhe inspira poemas soltos e um pouco sem rumo, o que não quer dizer sem qualidade?

    Naturalmente que não me vai responder! Mas do que escrever da próxima vez, poder-se-à, eventualmente concluir da sua ponderação às minhas perguntas.

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  10. Para mim não há prosa nem poesia. Há várias formas de expressão. A expressão escrita, as palavras,são apenas uma, de entre elas. E harmonizam-se por vontade própria, as palavras...não tenho muito a ver com esse processo.

    Se é que há algum fio condutor naquilo que expresso, será este: Faço sempre perguntas e nunca dou respostas concretas. O texto fica, portanto, em aberto...

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  11. Belo porque também nos interroga

    digo eu
    no meu metro e 82 centímetros

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    1. Setenta e dois centímetros é aproximadamente a altura de uma criança, por volta do 11/12 meses que é quando começa a andar...a forma de ver a vida muda...os sonhos, elevam-se :)
      Obrigada

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  12. nunca tinha pensado nisso, mas talvez tenha razão! talvez esse o lugar ideal para observar o mundo : entre a leveza do sonho e a atracção da gravidade...

    beijo

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    1. o real e o imaginário. O que temos e o que gostaríamos de ter.
      Obrigada
      Bj

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  13. Nunca me tinha ocorrido escrever sobre este tema que é fascinante e tratou aqui com mestria.
    Aproveito a passagem por aqui, para lhe dizer que abri um novo blog onde só publico crónicas. No caso de querer passar por lá, fica aqui o link:
    http://cronicasontherocks.blogspot.pt/

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    1. Carlos B. O.

      Também nunca me tinha ocorrido, confesso. São temas que vão surgindo na observação e na vivência...
      Claro que fico com o link e vou lá passar com todo o gosto.
      Obrigada.

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  14. há cada uma!

    mas sim, é "outro mundo" à vista, talvez mais linear e até mais vivo.

    beijinhos Filipa

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    1. Luís,

      Ele há com cada uma! E não é que me deu uma outra ideia:)

      Bj

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  15. Muito bonito!

    ... e reservo-me ao direito de não escrever o que senti em lê-la - por hoje, pelo mais.

    :)

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    1. Gosto que tenha gostado Paulo.
      Espero que o sentimento tenha sido gratificante.
      Bj

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  16. Gostei do incumprimento de gente, que se modela acima dos 72...e da imaginação de quem chega...
    A minha voou ao entrar aqui!
    Sublime!

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    1. A vida desenrola-se em muitos patamares
      Sendo que o da imaginação é o mais alto
      Obrigada e volte sempre, em voos plenos.

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  17. Poesia pura.
    Não havendo limite para a imaginação, sei o que é pairar assim, apenas não o sei dizer de forma tão bela.

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  18. Respostas
    1. Obrigada João.
      Mea culpa...não tenho deixado comentários, mas hoje vou começar a por tudo isso em ordem.
      Beijo e uma Santa Páscoa.

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