Acordara pasmado!
O rosto ansioso de ontem, enrolado na camisa, já levemente desbotado, olhava-o ainda, da "senhorinha", aos pés da cama.
Seria assim, hoje, entre espantos e exclamações, que encararia o mundo.
Nunca escolhia os rostos. Limitavam-se a aparecer-lhe, largados, sem presas, pelo luar, que nasce quase sempre semi oculto.
Eram rostos de angústia, de medo, de assombrosa felicidade. Ou tão só retratos, debruçados, da própria vida.
Nada fazia prever face alguma. Nem sequer os olhares embaciados pelo sono, do dia que passara.
Vestia-se de rostos como quem se veste de si.
Despia-se de rostos como quem se despe de alguém.
Fora sempre assim. E, de segunda a sexta feira.
Rostos de medo e de ausência - que demoravam mais tempo a desnudar, é certo- intercalados com faces absurdamente efusivas, a darem lugar, num outro dia qualquer, a um semblante carregado.
Desde que o tempo, se moldara, perfeito, à sua existência...
Raramente arrumava os rostos durante a semana. Não havia porquê, demorar-se em faces usadas, que exigiam catalogação exaustiva e eficiente.
Melhor a espera, de noites inteiras, sem nenhuma expressão.
Ao sábado, levantava-se numa total ausência de personalidade. Nem um breve olhar, a denunciar a alma.
Seguia directo para o escritório-mais-que-mudo, no fundo do corredor. Portas meias com um pequeno quarto de costura, onde ainda tentara, em vão, alinhavar silêncios no canto dos olhos. E, pespontar sorrisos, sempre que os não havia.
Pegava primeiro na segunda feira e reconstruía então, criteriosamente, toda a sua paisagem.
No fim do dia, um arquivo de sombras, preencher-lhe-ia o tão almejado final da semana em ausência. Com todos os rostos, devidamente, etiquetados.
duro!
ResponderEliminar:-D
Pois, este é um bocadinho mais duro...
EliminarObrigada Rita
Rostos etiquetados ocultam as dores da alma... Somos nós, cheias de disfarces, colocando as máscaras no rosto para preservar a alma desse palco que é a vida.
ResponderEliminarObrigada, pela partilha. Você tece as palavras com a delicadeza de uma artesã que se dedica ao seu ofício de maneira magistral. Bjs
Obrigada Julieta.
EliminarVou costurando as palavras, mas deixando sempre os silêncios que permitem o complemento e enriquecimento, de comentários como o seu. Neste imenso palco, que é a vida!
George Sand,
ResponderEliminarApresenta um texto pungente, interessantíssimo.
Etiquetados... o que conta nesta realidade neo-liberal em que nos encontramos.
Gostei da do desenvolvimento da escrita, do pensamento encadeado e a fotografia está muito bem escolhida.
Máscaras um outro título possível.
Beijinho e um bom dia! :)
Ana,
EliminarPensei em máscaras, mas as etiquetas dão-lhe esse cunho de inevitabilidade de que fala...
Muito obrigada.
Um beijinho e um bom dia para si
Era actor de teatro e participava na peça «As Diferentes Faces da Vida» ?
ResponderEliminar;)
Porreiro, este texto, como a totalidade dos que estão antes... ou será, dos que virão a seguir?
;)
Bartolomeu,
EliminarOs textos escolhem aparecer. Nas tonalidades que se vão impondo.
Ainda bem que gostou.
Obrigada :)
E há vidas assim, sem hipótese alguma de fugirem do rodopio da dança da vida, não lhes permitindo ainda que seja numa fracção do segundo um pequeno deslize que as conduza a outros bailados, a outras coreografias a outras máscaras mais alegres e adequadas à sua condição humana.
ResponderEliminarBeijinho Filipa
Concha,
EliminarVidas que repetem os mesmos passos, os mesmos ritmos e nem ao fim de semana se separam dos rostos que lhes são impostos.
Bj e obrigada
Forte...mas genial!
ResponderEliminarObrigada Sónia.
EliminarBj
De um realismo perturbante!
ResponderEliminarObrigada Carlos B. de Oliveira.
EliminarO pensamento, por vezes, mata-nos. Não é a vida, somos nós. Precisamos de fingir que sabemos o que somos, quem somos, por que somos. Etiquetamos os outros para sabermos o que não somos. Mas no fundo somos as etiquetas que colocamos nos outros e os outros a nossa máscara.
ResponderEliminarTalvez por isso, seja preciso, também a ausência. O espaço necessário ao distanciamento.Um rosto livre de "personalidade/s", mesmo que aos sábados...e quase junto ao quarto de costura, inútil.
EliminarObrigada pelo seu comentário João Raposo.
Na realidade
ResponderEliminara ficção
de corpo quase inteira
As valsas do real, em passos de imaginário....
ResponderEliminarobrigada :)
Excelente texto! Um retrato fiel de alguns rostos...
ResponderEliminarObrigada Isa. Tlvez seja isso, sim..
ResponderEliminarUma ficção bem real, quase palpável.
ResponderEliminarUm viver em si mesmo rodeado de todos, mas alheia a todos, porque eles se alhearam dela...
Uma análise linda e tão..tão bem escrita.
Beijos,
NOTA – Tens um verificador de palavras que não serve de nada e é chato para quem comenta. É fácil desactivá-lo, basta percorreres este caminho. Obrigado.
CONFIGURAÇÕES
POSTAGENS E COMENTÁRIOS
MODERAÇÃO DE COMENTÁRIOS: SEMPRE
MOSTRAR VERIFICAÇÃO DE PALAVRAS: NÃO
SALVAR CONFIGURAÇÕES
Uma boa análise :)
EliminarObrigada.
Os moderadores de palavras são horríveis. Não fazia ideia que se podiam desactivar. Vou tentar (sou um zero a informática)seguir esses passos. Obrigada!
Bj
De tão abstrato, de tão real é mesmo assim!
ResponderEliminarbeijos
Vai sendo assim Pearl...e amanhã um rosto de domingo para arquivar :)
EliminarObrigada
E como é que cada um de nós gere os seus rostos? No que me toca acho-me um bocado desorganizada... não tenho muito cuidado com eles e muito menos controlo... Fazem de mim o que querem...
ResponderEliminarVamos tentando arquivar...mais não seja na memória...
EliminarObrigada Luisa.
Bj
tanta gente do nada, tanto nada de gente.
ResponderEliminarbeijinhos Filipa
Lindo Luís! Gostei do nada de gente...e do gente, de nada...com rostos de coisa nenhuma.
EliminarObrigada.
Bj
mil rostos... mil momentos... mil descobertas...
ResponderEliminar"um, nenhum e cem mil", como no Pirandello?
Fuga ou dor?
Realidade dura que nos perpetua na dúvida do que somos e nem sempre entendemos?
...ou dor de se desejar igual, o mesmo, quando somos tantos... que muitos que não entendem, nem perdoam...
Que bonito texto!!! Como todos os outros.
Obrigada
Isabel
Tudo isso Isabel,
ResponderEliminarem cada dia que passa,
em cada rosto que nos assola
Numa expressão que nos devassa
E ainda,
Nos consola.
Obrigada eu e volte sempre! :)
As máscaras e os rostos. Muito bom.
ResponderEliminarOs rostos e as máscaras. Muito bom.
ResponderEliminarGostei muito dos dois comentários. Por um lado os rostos a que se põe máscaras. Por outro as máscaras, onde se colocam, rostos.
EliminarDuas realidades.:)
Obrigada