terça-feira, 8 de maio de 2012

Nas nuvens, de cabeça para baixo





Fiz toda a vida castelos nas nuvens. Fortalezas de imaginação desenhadas de barriga para cima.
Os dedos no ar em  futuros improváveis,  que se desmanchavam na primeira revoada. E eram refeitos, como se de uma linha de montagem de felicidade.
Fiz sempre assim, até ao primeiro e único dia em que voei.
Descobri uma forma qualquer de voar, mesmo sem asas.
Um voo curto, acho que de inspiração,  só até à beira do primeiro nimbo, a que me agarrei com toda a  força.
De cima para baixo, foi mais fácil surpreender o destino. Agarrar os flocos de coisa nenhuma e, prendê-los pelos cabelos de ar, ao chão.
Prendi  uma curva apertada, uma estrada, um comboio. Um contorno diáfano de gente.
Prendi também o tempo suficiente a todas as viagens.
Não me lembro de ter conseguido segurar a vida que remoinhava sem parar.
E ainda bem, que não a segurei.
Tudo o que desenhei, de cabeça para baixo também se esfumou.
No fim da curva apertada, a sombra pálida de um comboio. Viagem nunca acabada.
Na berma, em lugar nenhum da estrada,  o único contorno de gente, a desfazer-de pleno de vento.


26 comentários:

  1. com a devida vénia ao Juan Ramón Jimenez,

    Arriba canta el pájaro
    y abajo canta el agua.
    (Arriba y abajo,
    se me abre el alma).

    ¡Entre dos melodías,
    la columna de plata!
    Hoja, pájaro, estrella;
    baja flor, raíz, agua.
    ¡Entre dos conmociones,
    la columna de plata!
    (¡Y tú, tronco ideal,
    entre mi alma y mi alma!)

    Mece a la estrella el trino,
    la onda a la flor baja.
    (Abajo y arriba,
    me tiembla el alma)

    a vida, o sonho,o vento...nunca os agarraremos de verdade...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois não Fernando Antolin. Nem a vida nem os sonhos, nem o vento, se deixam agarrar.
      O poema é lindo obrigada

      Eliminar
  2. Lembrei-me do que escreveu o menos conhecido (por cá...) dos irmãos Machado:

    "...La Vida se aparece como un sueño
    en nuestra infancia... Luego despertamos
    a verla, y caminamos
    el encanto buscándole risueño
    que primero soñamos;
    ... y, como no lo hallamos,
    buscándolo seguimos,
    hasta que para siempre nos dormimos ..."

    não é fácil, a vida. Mesmo quando se tem a oportunidade de a viver de novo, como eu tive ( até agora...). boa noite, Filipa.

    ResponderEliminar
  3. Ferando Antolin,

    Nunca é fácil a vida. Importante é que não nos deixemos acomodar em nevoeiros baços e a consigamos dançar em transparências.
    Viver de novo, hoje e todos os dias.
    Bj

    ResponderEliminar
  4. Nada se segura, nem nas mãos, nem com as mãos...até nós tombamos nas curvas apertadas.
    Do único que discordo é que a viagem acaba sim!
    E aí tudo se esfuma...

    Gostei muito, como sempre :)

    Beijo
    Sónia

    (o meu blog entrou em pausa, mas sigo por aqui...)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sónia,

      Tombamos mas voltamos a levantar-nos.
      Também tenho pena que esta viagem tenha terminado assim. Mas quem sabe, não há espaço, para surpreender o destino, na próxima nuvem.
      Obrigada.
      Fico à espera que o blog volte ao "activo" :)
      Bj

      Eliminar
  5. Quando desenhamos castelos sejam direitos ou invertidos o resultado é sempre esse, esfumam-se.
    Gostei muito, beijinho.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É verdade, mas enquanto duram são soberbos.
      Um beijinho Ana :)

      Eliminar
  6. Respostas
    1. A liberdade, sempre, na curva de cada palavra.
      Obrigada Isabel.
      Bj

      Eliminar
  7. Em cada acordar desenrola-se uma nova epopeia, mesmo se embalados por rotinas repetidas incontáveis vezes a surpresa subsiste a cada esquina pela mera tónica de o vento hoje nos empurrar para norte em detrimento do sul habitual, cada dia, cada passo é uma aventura embora tudo que nos rodeia nesta metafísica aparente ser igual ao ontem e anteontem, tombamos e acaba mas não é o fim da saga, esperam-nos campos verdejantes infinitos em outros planaltos, em outras realidades em outras vidas ou alguém acredita que a mente humana em toda a sua vastidão sucumbe pelo mero fim de um invólucro?, não, não pode, enquanto a imaginação continuar a desbravar o caminho do progresso o único abraço que recebo é o do eterno,


    cumprimentos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Acordamos surpreendentemente. E redescobrimo-nos a cada pequeno passo,em todo o tempo que nos transporta.
      Será sempre o sonho, o ponto de partida. Será sempre o mesmo sonho, no lugar da chegada, qualquer que ela seja, em termos de uma paleta infinita...no abraço do eterno.
      Obrigada James Dillon
      Cumprimentos

      Eliminar
  8. Em cada acordar encontramos uma aventura em potencial, mesmo que convictos da certeza do igual depois de os mesmos passos ressoarem na calçada centenas de vezes numa aparente rotina cinzenta, a verdade é que subsiste sempre algo diferente, o vento hoje sopra mais quente e do sul em detrimento do habitual norte, e no fim não tombamos para ficarmos a apodrecer para um fim inexorável e absoluto, aguardam-nos outros sítios pejados de campos verdejantes infinitos, outros universos, outras realidades, enquanto a imaginação continuar na vanguarda do progresso o nosso fim nunca estará interligado com o fim do nosso invólucro, a nossa representação física nesta metafísica não é mais que isso uma representação, nós somos muito mais, imaginamos muito mais que um mero ciclo curto caracterizado com um fado tão finito.

    Cumprimentos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Quantos serão os passos que nos cabe dar?
      E os abraços,
      E o tempo de respirar?
      Quantas serão as curvas que podemos abarcar?
      Quanto temos de silêncio?
      Quanto de lágrimas para chorar?
      Em quanto tempo traçaremos o fado,
      Que nos cabe a nós traçar...

      Obrigada mais uma vez James Dillon
      Cumprimentos

      Eliminar
  9. A palavra
    Uma forma única de voar

    E a tua singularidade

    Bjo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada Filipe Campos Melo,
      Que a palavra nós vá transportando de um e outro lugar.
      Bj

      Eliminar
  10. Sonhos e imaginação... essenciais à vida.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sonhos e imaginação, como parte da própria vida. A construir e a reinventar.
      Obrigada Luisa
      Bj

      Eliminar
  11. Apesar do que se esfumou...invejo esse voo... :)

    ResponderEliminar
  12. Bem atrasada por motivos vários.
    Será possível viver sem sonhos?Nas encruzilhadas da vida, eles amenizam as quedas.Cada dia um novo sonho,o desfazer de uns, dando lugar a outros.Em cada sonho uma esperança e essa sim é a luz que ilumina todas as veredas,mesmo se é só ilusão.
    Bj na certeza de que se algumas nuvens ensombraram o dia,fica no entanto a certeza da entrega em tudo o que a vida vai trazendo e isso dá um brilho especial ao olhar.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Concha,

      Não e vive sem sonhos, como não e vive sem encruzilhadas e sem escolhas...
      haja entrega de vida e de olhar.
      Bj e obrigada

      Eliminar
  13. Lindo, lindo o que se passou aqui.

    O seu texto inigualável, consegue dizer coisas, desenhar contornos de vida, dos sonhos, da desesperança ou esperança, ilusão, desilusão, de uma forma que é só sua.

    Os comentários e as respostas aos comentários - excelentes momentos :)

    Bj

    Olinda

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olinda.

      Os comentários são a forma como as pessoas vão lendo estes textos que se fazem abertos a muitas leituras.
      Quase tão saborosos como os textos em si.
      Muitas vezes, são leituras surpreendentes. Isso é muito gratificante.
      Bj e obrigada

      Eliminar
  14. As papoilas

    que são as minhas flores preferidas

    não sabem escrever assim
    mas voam aparentemente frágeis

    sem apeadeiros

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. As papoilas escrevem muito bem. escrevem em coração de flor, largado ao vento. Tomara eu, escrever como ss papoilas
      Obrigada

      Eliminar