O senhor Laurentino sabia das coisas pela palma das mãos. Os olhos, há muito que tinham fraquejado e, só lhe permitiam de vez em quando, um rasto, um cheiro...
Foi há muito tempo que as begónias se começaram a confundir com as sardinheiras, os cactos com os mangericos, e o horizonte que era de mar e de ria se fundiu numa só côr, que não pertencia a nenhuma , nem a nada deste mundo.
Agora, ao senhor Laurentino restavam-lhe as palmas das mãos. Firmes no tracejar dos espaços e dos sentidos.
Com elas podia abrir caminho entre os canteiros, devolver-lhes a frescura e a paz. Com elas podia aventurar-se no comboiozinho de bonecas que sempre atravessa a ria e chega ao mar.
Então, devagar, com a cara junto à areia e as mãos voltadas ao sol, o senhor Laurentino partia, devagar. Descobria mundos, cores e gentes, falava com os pássaros e saboreava os cheiros trazidos pela madrugada.
Conseguia mesmo sentir o fervilhar da vida ao seu lado e ainda, depois disso. Muito para lá da estrada, da ria e, do olhar dos outros.
Ao fim da tarde o senhor Laurentino voltava, no mesmo comboizinho oferecido pelo natal à ria...e ria, com as palmas das mãos apoiados no rosto cansado. Ria-se alto o senhor Laurentino. Ria-se de si e dos outros. Que nunca percebem, como é ver, pela palma das mãos.
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