sexta-feira, 26 de outubro de 2012

De costas, num instante, de memória


Havia mundo e havia caminho.
Havia tempo. Todo o tempo, menos aquele instante quase absurdo, em que tinha a certeza,  ela o amara.
Não sabia precisar se durante, se ainda, se quase sempre.
Virou-se de costa e esperou.
Os instantes regressam. Têm que regressar.  Mais não seja, pelas ondas ritmadas da memória.
Saberia chorar um oceano, se preciso fosse. Só por essas ondas, ritmadas, da memória.
Mas não prosseguiria, assim.



sábado, 20 de outubro de 2012

A respirar palavras



Era absolutamente indispensável. Não concebia nenhuma manhã, sem inspirar palavras. Todas as palavras que pudesse.
Nem nenhuma tarde, em que o abdómen não se contraísse, a ponto de deixar sair, em catadupa, as frases. Já construídas, numa digestão lenta, de todas as memórias.
Respirava escrita do nascer do dia, ao ocaso, da sua história.
Tinha sido assim, desde o dia em que nascera. Para espanto d

e todos os que viam os seus ditos e, mesmo os seus pensamentos, serem engolidos, ali mesmo, às golfadas.
Não era preciso muito para inspirar as palavras. Por vezes bastava só isso: a proximidade de um pensamento...

Depois, ia devagarinho, pela sombra dos sorrisos, ou pela contracurva das emoções, de boca entreaberta. E, na quietude que se entardecia, expirava, então...

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

De costas, sem lugar de história


Recordava-se em absoluto que se tinha deitado de frente.
Todos os dias se deitava de frente, para um luar.  E todos os dias, acordava de frente, para o que dele restasse. 
Podia ser um sonho, podia ser uma imagem. Podia ser a necessidade de ausência, que só se encontra, plenamente, no ar leve da madrugada.
Acordava de frente para a madrugada.
Havia restos de noite, que se iam deitar, cheios de histórias. E  luzes, que tremeluziam ainda, à espera do que acontecesse..
Iriam acontecer muitas coisas. No tamanho e,  na proporcionalidade das horas que voam, pelo dia fora. Ou que, simplesmente, se deixam escorregar.
Susteve, por breves instantes a respiração e pensou que se tinha deitado de frente. Era absolutamente inequívoco. E, não obstante,  acordara de costas.
Pela primeira e única vez  na sua vida: tudo o que tinha acontecido e mais ainda, o que iria suceder, estavam confinados ao lugar da ausência...
Só  se rodasse, em meia volta.
Mas o tempo...o tempo não tem metades. Não estanca a meio de um bocado de vida, à espera do outro tanto.
Pensou no pião, que tinha guardado na gaveta da memória e,  lançou-o. Com toda a força,  até ao lugar do coração.
Agora rodopia, entre o que jamais aconteceu e o que,  mesmo sucedendo, nunca lhe servirá de história.

( a imagem é da estátua de Drummond de Andrade, no Rio de Janeiro)