sábado, 30 de abril de 2011

Fuga em quase dó menor

Foi numa fuga breve, de quase dó menor, que o azul se desfez em violeta, o amarelo se despediu de todos os tons de laranja e incendiou os céus, num poente de arco-irís nunca visto.
Sob o ar translúcido, a paisagem deslizava à nossa volta, na velocidade consentida das pupilas.
Nada nem ninguém, que não o murmúrio do gelo a desfazer-se neste princípio de Primavera, a sul,  perturbava o lugar...

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Sexto Sentido


Não são as nuvens, a poeira, o tumulto, que lhes cerceiam a argúcia e a capacidade de observação.
De qualquer ponto de azul, o mundo será sempre redondo e sem subterfúgios.
E mesmo quando a liberdade se recolhe prudentemente, num temporal mais perigoso, o tempo de espera é o do alisar das penas, tantas que já não metem dó.
É com eles que levantamos voo e, que acreditamos que os sonhos são sempre possíveis.



(a fotografia é do João Afonso Machado)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Horizonte


Não procures o horizonte. Não procures lá, onde se esconde o destino, a sorte, o silêncio absurdo sem memória de futuro. Deixa que se faça tempo a  tempo, no consentido gargalhar da água e no deslizar contínuo de cavalos e gnomos,em memórias de algodão, espaçadas de vento.
Depois, entrelaça tudo o que aprendeste e, tudo o que nem sequer te lembras. Encaixa devagarinho as peças do cavalo de porcelana que se partiu, eras tu ainda menino. E reaprende a cavalgar devagarinho, por entre os dedos e por entre os sonhos...



(Fotografia tirada no Chile, pelo fotógrafo Mário Castello)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Carris


No fundo da gare havia um banco. Trôpego e sem uma trave. A trave do meio do banco tinha desaparecido. Não estava lá.
Sentei-me na ponta da perda da trave, na junção incómoda das outras traves e fiquei ali.
Respirei fundo.
A neblina envolvia-me num abraço cerrado.
Por detrás o som de nada e pela frente um vagão inerte, atrelado a outro vagão inerte, a outro vagão inerte, a outro vagão…não consegui descobrir quantos, se quedavam assim, sem murmúrio e sem escolha.
Limitei-me a contar os carris, que são sempre dois e transportam o olhar para o horizonte, mais ou menos dilatado. Mesmo assim, reconheço, que por vezes me desconcentrei desse cenário sem rumo, para adivinhar nos rectângulos metálicos das janelas, desfeitos do quadrado original por pedaços retorcidos nos cantos, rostos pasmados que nunca devem te existido. Ou a terem existido, existiram unicamente vislumbrados.



(fotografia de Mário Castello)

Itamambuca


Não sei onde fica exactamente...Itamambuca...mas rasgava o horizonte para a conhecer.
Assim, colo o nariz ao postal, desenhado a felicidade. Só pode ser: desenhado a  felicidade, colada à pele num alaranjado a saber a sal.



(a fotografia é o do fotógrafo Mário Castello)

sábado, 23 de abril de 2011

Páscoa

Gostava de recortar uma nuvem com a ponta do arco do meu violino para que Jesus ressuscitasse...não importava a figura inscrita a algodão, na nuvem passageira. O arco desenharia rápido e, a descida seria breve. Só o entrecruzar das balas e o inóspito agreste do ódio, a impedir, mais uma vez, a passagem...


(A fotografia foi tirada no Rio de Janeiro, pelo fotógrafo Mário Castello)

quarta-feira, 20 de abril de 2011

A Viagem



Sabia que era esse o dia. Não me perguntem porquê.
Tinha feito a mala, de véspera.
Descera à cave e pegara nela.
Já o tinha feito muitas vezes, mas nunca com a contemplação das escadas. Sempre de costas, ainda sem rumo…
Era uma mala, já não bem verde. Uma mala a que o tempo comera a cor original. Essa sim, verde. Sem nenhuma dúvida. Agora era a mais a memória do verde…
Duas mudas, para o que desse e viesse e a fotografia do gonzalez, um podengo cruzado que me acompanhara os últimos anos e partira, num dia da última Primavera. Sem aviso nenhum. A não ser um suspiro igual a todos os outros que se dão pelo tempo fora e de que nunca nos lembramos. Nem os cães se lembram, eu creio.
A mala estava pronta. Desde a véspera que estava pronta. 24 Horas pousada no hall, encerado e com a carpete encarnada lavada.
Tudo feito.
Deslizei devagar para fora da cama, com medo de acordar ninguém. Mas mesmo assim…deslizei, devagar.
Com a mesma ausência de ruído, passei pela casa de banho, tomei duche e limpei o chão.
Limpei toda a vida, sempre o chão. De todos os dias em que havia chão.(Pelo menos desses). E, limpei meticulosamente. Com um pano pequeno e pardo: o pano do chão. Ao princípio fazia-o mecanicamente. Antes ou depois de lavado o chão parecia-me o mesmo. Afinal o linóleo não transparecia a figura, nem sequer o rosto…mas com o tempo, começou a fazer sombras, semelhantes a contornos de vários rostos. Gostava assim, de os ver aparecer ainda por definir, logo pela manhã. Depois do chão lavado com o pano. E, por causa dele.
Peguei na mala e sai.


segunda-feira, 18 de abril de 2011

A mulher dos espelhos



Caminhava apressada, com um saco pardo na mão. Conhecia de cor todos os recantos de velharias da cidade, todas as feiras da região...e procurava-os meticulosamente. Toda a manhã se afadigava num entra e sai, discreto mas eficaz.
Ao entardecer, quando nada nem ninguém, poderia reflectir, regressava a casa. Subia a quatro e quatro, os degraus que a conduziam à única assoalhada que ainda poderia abrigar uma réstia de  luz, e mirava-se. Não...não seria ainda desta vez. Não pelo cabelo desalinhado, pelo rosto cansado, pelos ombros que teimavam em nunca aparecer, pela memória mostrada de esguelha...
Chamavam-lhe a mulher dos espelhos.
Nunca ninguém soube o que procurava, nos muitos e muitos espelhos que armazenava. Só se sabia uma coisa: comparava incessantemente a nitidez...







quinta-feira, 14 de abril de 2011

Está acanhado...




Mas nada que não tenha solução. Afinal parece que já está previsto o alargamento do estreante aeroporto alentejano (ver planos acima)

O Aeroporto de Beja

Abriu um novo aeroporto em Portugal. Mais precisamente em Beja. Fez ontem um voo e em Maio vai fazer outro. Até lá tem algumas janelas para limpar, pó para aspirar e chão para lavar.
Assim sendo, podiam abrir uns ateliers de ocupação de tempos livres, mais um centro de dia...sempre deve ter ar "acondicionado".

terça-feira, 12 de abril de 2011

Ombros

Pousam gaivotas no sombreado dos ombros
Debaixo do cais.
Mudas e espantadas,
Com o insólito dos ombros debaixo do caís.
Na espera, o tempo que se demora,
Até que a sombra se esbata,
No único relógio de sol,
Que contempla os minutos
De ombros,
no cais.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Janelas

Todos temos janelas na vida.
Muitas vezes, contamos só com as portas e esquecemo-nos delas. Ficam ali, entreabertas, à espera que uma brisa as empurre.
São importantes, as janelas da vida, mesmo que nem sempre tenham vista de mar.
É importante saber reconhecê-las nos momentos cruciais.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A rua

Chama-se Ilda, mora numa rua cheia de sol, que não conhece, vai para quase um ano. Entretanto fechou a pastelaria da esquina, morreu o senhor da tabacaria e a rua, sempre longe demais...três andares de escadas, impedem o acesso.
Talvez para a semana, se consiga a ajuda de alguns, para o tactear da calçada. Devagarinho, como quem redescobre o horizonte...


terça-feira, 5 de abril de 2011

Voluntariado

Hoje, começa mais um curso  de orientação para o voluntariado.
vai ser no IPO, em Lisboa, das seis às oito. A repetir no dia 7, 11 e 13.
Eu vou lá estar, como muitos outros, à procura de um espaço onde se dê e se receba. Neste ano Europeu para o voluntariado, com tristeza, solidão, desespero, angústia e também, ainda e sempre,  alguma esperança...

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Futebol


Espero que aproveitem: este vai ser o primeiro e o último post de futebol da história deste blogue. Os motivos são todos e mais alguns.
As minhas simpatias sempre foram sportinguistas, mas reconheço que tenho alguma dificuldade em perceber quem corre para onde. Seja como for, ser do Sporting é um acto de coragem e humildade.