quarta-feira, 20 de abril de 2011

A Viagem



Sabia que era esse o dia. Não me perguntem porquê.
Tinha feito a mala, de véspera.
Descera à cave e pegara nela.
Já o tinha feito muitas vezes, mas nunca com a contemplação das escadas. Sempre de costas, ainda sem rumo…
Era uma mala, já não bem verde. Uma mala a que o tempo comera a cor original. Essa sim, verde. Sem nenhuma dúvida. Agora era a mais a memória do verde…
Duas mudas, para o que desse e viesse e a fotografia do gonzalez, um podengo cruzado que me acompanhara os últimos anos e partira, num dia da última Primavera. Sem aviso nenhum. A não ser um suspiro igual a todos os outros que se dão pelo tempo fora e de que nunca nos lembramos. Nem os cães se lembram, eu creio.
A mala estava pronta. Desde a véspera que estava pronta. 24 Horas pousada no hall, encerado e com a carpete encarnada lavada.
Tudo feito.
Deslizei devagar para fora da cama, com medo de acordar ninguém. Mas mesmo assim…deslizei, devagar.
Com a mesma ausência de ruído, passei pela casa de banho, tomei duche e limpei o chão.
Limpei toda a vida, sempre o chão. De todos os dias em que havia chão.(Pelo menos desses). E, limpei meticulosamente. Com um pano pequeno e pardo: o pano do chão. Ao princípio fazia-o mecanicamente. Antes ou depois de lavado o chão parecia-me o mesmo. Afinal o linóleo não transparecia a figura, nem sequer o rosto…mas com o tempo, começou a fazer sombras, semelhantes a contornos de vários rostos. Gostava assim, de os ver aparecer ainda por definir, logo pela manhã. Depois do chão lavado com o pano. E, por causa dele.
Peguei na mala e sai.


8 comentários:

  1. Eu vivo a pegar em malas que esperam por mim no hall e que eu espero, por minha vez, na saída de uma qualquer passadeira mecânica suja e gasta...

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  2. bela história de uma partida.

    abraço George

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  3. Pode ser o começo de uma viagem...vamos lá ver. De vez em quando escrevinho para a gaveta...

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  4. ;-)))
    Uma boa Páscoa para si, George.

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  5. Para todos os votos de uma boa Páscoa, com muitas amêndoas que para o ano já não sabemos se há :)

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  6. O saudade, já, do ponto de partida? A incerteza, ainda, do porto de chegada?

    Lúcio

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