quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Memória em viagem



As portas do comboio abriram-se. Não sei exactamente como nem porquê. Muito menos para onde.  Entrei. Limitei-me a entrar.
Segui o corredor. Sempre  a direito, sem vacilar. Nem os balanços, me fizeram vacilar.
Passei as portas todas.  De um para outro vagão, desertos de coisa alguma. Estanquei na última, já a debruçar-se pelo horizonte.
E sentei-me. De frente para o passado, que rodava num entusiasmo frenético, um balanço, um balanço…
Sem querer saber,  adormeci.
O sonho não o vivi . Ou não me lembro, não sei.
Quando acordei, encarei de frente o mesmo cenário. E foi então que percebi. A viagem estava ali  à  minha frente.
Feita de passos dados, de sorrisos sorridos, de gentes que nunca voltam.
Sentada ao meu lado, aconchegada entre o vidro dessa última janela, na derradeira carruagem, viajava de branco…
Perguntei-lhe o nome.
Disse-me chamar-se memória...

(a fotografia é do fotógrafo Mário Castello)

7 comentários:

  1. «Com esta escrita descobri uma coisa em que nunca tinha pensado, é que o bem mais precioso do homem é a memória.»
    José Cardoso Pires

    Descobri recentemente a exactidão desta frase, pelo que é assustador uma memória em branco. Se bem que o branco reflecte todas os raios e é a junção de todas as cores, logo terá viajado muito bem acompanhada.

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  2. Again, very nice and so poetic...a bit neurastenic...but though excellent

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  3. VMM Souza,

    Uma viagem ao passado, de memória errante e em branco. por isso soa assim. Obrigada

    Paulo A.L,

    Uma memória em branco e os carris cruzados.(da fotografia).
    Obrigada

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  4. George Sand,
    Fluir entre os vidros do comboio e a presença estática das linhas cruzadas resulta em memórias lentas e vagas.

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  5. Ana,
    Gostei muito dessa leitura.Os carris cruzados foram propositadas.

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  6. bela prosa; ainda bem, revela a calma de espírito, pelo menos do espírito da memória.

    abraço

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  7. Obrigada João.
    Espírito da memória...bela frase!

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