Por toda a noite, alinhavavas palavras, com o tecido bem esticado nos joelhos.
Primeiro os pespontos das sílabas, sob as entretelas. De uma, ou outra recordação.
Só depois o rumo certo no corte. Capaz de desenfrear frases completas, aos ombros, retalhados, das memórias.
Alinhavavas os braços, devagar, pelo tempo que passava...
Pernas ainda esquecidas, dos passos. Mas com o comprimento correcto, de todos os sonhos.
De tempos a tempos paravas. Ias até à única janela da alfaiataria e fumavas um cigarro. Suspenso de uma linha, muitas vezes ténue é certo, mas riscada firmemente a giz, logo no início da noite.
Era o tempo de fantasiar mais uma casa. Desejar o alinhavo perfeito, a escorregar, em terreno ameno de fazenda...
As horas passavam, assim, na quietude. As únicas horas em que na alfaiataria de palavras se trabalhava.
O tecido a amarrotar-se vezes sem conta. À passagem de um cometa, ou na vertigem da cadência de uma estrela. Era preciso engomá-lo agora e depois. Uma e outra vez...
E o olhar, expectante, da intensidade do último botão...
Antes que a manhã te tocasse à campainha, já o casaco sairia. Vestido de si. Com letras compostas. Pela porta larga da alfaiaria...
Lendo assim parece fácil. Dá vontade de nos tornarmos alfaiates...Mas para escrever assim, tão bem, não chega agulha e linha, a Filipa tem o melhor pano!
ResponderEliminarUm belíssimo jogo de palavras alinhavado com precisão e sensibilidade... Parabéns!
ResponderEliminarCartas de Julieta,
ResponderEliminarObrigada. Gosto que tenha gostado. Já fui espreitar o seu cantinho. Ficou aí ao lado.
Luís,
O pano é o da sensibilidade que vem com asas e, que nos faz fazer voar o pensamento de encontro às palavras. O mesmo que o teu. Sendo que a tua escrita é de Mestre, a minha de aprendiz.
Filipa,
ResponderEliminarConcordo com o Luís.
Que belo tecido bordas com as palavras.
Lindo!
Beijinhos
Lucia
Obrigada Lucia.
ResponderEliminarVou bordando palavras, mas daí a ter um bordado...ainda tenho muito que calcorrear :)
Bj
que bem escrito está:-) uma beleza de fluidez.
ResponderEliminarTemos costureira!
será como as costureirinhas antigas de Lisboa, com as suas aventuras por entre as ruelas de um bairro típico.
Bela alfaiataria!
gostei imenso do texto
ResponderEliminarbeijinho
Rita Vasconcellos,
ResponderEliminarObrigada e um beijinho para ti. Gosto muito do Walter Ego e fiquei contente com as novvidades.
Vicente MM Souza,
Obrigada.
Não, é mesmo uma alfaiataria. E de mestre alfaiate. Nada de custureirices copiadas dos figurinos em vão de escada.
Texto lindíssimo, Cara Filipa. Vi Amor picotado de suave erotismo. Afinal, só numa boa malha cada um consegue ver o que quer.
ResponderEliminarParabéns!
Vai-se custurando...
ResponderEliminarEntre um debruado de espanto,
Um pesponto de encanto,
um alinhavo de riso,
Alguma tristeza vivida.
E no recortar de uma manga,
Ou botão mais controverso,
Se ache os pespontos do verso,
que nos preencham a vida.
Obrigada Paulo de Abreu e Lima
belíssimo...vc está muito bacana como poeta, vai em frente moça.
ResponderEliminarestou aqui no calçadão sentado ao lado da estátua de Drummond de Andrade e estou falando com ele sobre vc.
ele me disse que vc devia publicar seus trabalhos poéticos.
palavra de poeta!
Obrigada Vicente MM de Souza. Abraço no grande Drummond! Elogio de Drummond, mesmo estátua, é pra levar em conta. Um dia quem sabe, deixo de rasgar e começo a publicar. Obrigada
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