Deslizaram-me os olhos na linha desmaiada do horizonte. Para lá o absurdo silêncio de um final sempre renovado. Para cá a quietude mansa do areal vazio .
O mar, senhor absoluto das cores, dos aromas dos cheiros, de todos os sentidos . Invariavelmente deitado sobre si mesmo. Presença plana, como plana é a paisagem deste quarto deserto.
Olho em redor. Na penumbra da tarde dilato lentamente as pupilas mas não vejo...Não vejo para lá dos vultos exangues de um quarto: a cama redonda . As mesa de cabeceira : incómodas permanências no primeiro e no ultimo olhar do dia. Uma cadeira, um armário sem estória alguma para contar. Um quarto igual a todos os quartos que a vida me apresentou. E apresentou tantos.
Passei quase toda a minha vida dentro de quartos. Quartos de hotel.
Paredes iguais a todas as paredes de quartos de hotel.
De quando em vez o retorno breve a um mesmo quarto, que por ser tão breve, nunca se tornou o meu.
Foram anos de viagens de negócios, de trabalho. Reuniões intermináveis quase sempre em quartos de hotel, porque o tempo assim o exigia. Quando não eram em quartos, os encontros de trabalho passavam para salas, em que a diferença dos vultos circundantes se esbatia na frieza das paredes. Brancas ou cremes, em mil e um tons de branco e de creme, de vez em quando substituídas por um castanho pardacento quase tão pardacento como o creme e a brancura já envelhecida.
Nas paredes invariavelmente as mesmas paisagens: verdes. Nunca percebi porquê mas os quadros dos quartos de hotel são sempre verdes. Podem ser lagoas esfumadas, meninas de impressionista, florestas longínquas. Mas têm essa mesma característica que as une: a cor verde.
E não se pense que o verde dos quadros, tal como o creme e, o branco- creme- acastanhado das paredes é sempre igual. Pode ser verde mar ou verde seco. Verde forte ou verde claro. Dependendo mais do tempo em que está dependurado e, da luz das latitudes, do que da paleta original. Mas é sempre, sempre verde.
Em tantos anos de empresa, em tantos quartos de hotel, em tantas salas de reunião nunca consegui sequer vislumbrar o azul...
Tenho-o aqui agora à frente dos meus olhos. Procurei-o quase toda a vida e toda a vida me fez falta. Agora está aqui defronte da janela deste quarto que nem sei se me pertence, e não faz nenhum sentido.
Hoje o azul que eu procurei toda a vida tão desesperadamente está aqui. Deitado e com todo o tempo do mundo para ficar. E contudo, não faz nenhum sentido.
Durante anos sempre que um acaso do destino, me levava a alguma cidade costeira, perscrutei o horizonte, ávido deste azul...sem nunca o encontrar.
Uma vez, e porque o hotel ficava mesmo em frente ao mar, galguei os degraus um a um dispensando a monotonia de mais um elevador, para chegar mais depressa. Tinha sido marcada a reunião à última hora e por estar quase completo, o hotel, o quarto que me deram tinha vista para as traseiras..do mar.
Hoje é azul a paisagem dos meus olhos, mas podia ser verde creme, branca pastel ou, castanha qualquer. Não me importo mais com a paisagem dos meus olhos.
O areal está vazio como vazio está o quarto, o azul e o mar.
Vazios de conteúdo. Vazios de mim.
Reformei-me o ano passado.
Depois de trinta anos de trabalho, as cores são agora diferentes. Vieram os rosas e os negros. Os prateados e os ocres. Os tons de terra molhada, de sol e de sal. As matizes dos passos e dos espaços. Do mundo e dos outros. E com eles os cheiros, numa panóplia de sentidos que me embriagam e assustam. É esse o termo: susto!
Estou neste quarto perdidamente assustado num labirinto desconhecido onde os cheiros, as cores, e os outros tomaram definitivamente conta da paisagem.
Não encontro a segurança das múltiplas agendas, das secretárias vestidas de igual, das palavras proferidas em cada uma das reuniões iguais e conforme o mundo protocolo dos negócios. Sempre tão previsível e tão absolutamente seguro.(...)
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