sábado, 20 de novembro de 2010

A última viagem

Cheguei. Como todos os dias, do lado nascente. Podia ser de um lado qualquer mas era assim, nascente, há vinte e quatro anos.
Do outro lado, a sombra esvoaçante, há mesma hora e no mesmo local. Durante os mesmos 24 anos.
Nunca nos olhámos.
Pelo meio, a neblina do caís, a transparência da maresia.
Sentei-me no topo de uma rocha.
Ela sentou-se no fundo de uma escada, no lado oposto.
Nada partilhávamos a não ser o espaço mudo. Ausentes de nada. Dos dois lados do caís.Uma e outra: figuras esguias. Mãos apertadas num propósito qualquer.
Podia ser que eu adiasse a partida. Podia ser que ela prolongasse a chegada. Podia ser o inverso, ou vive-versa.
Inquietas as mãos apertadas no colo. Rigorosamente durante vinte e dois minutos. Vinte e dois minutos contados a nascente. Vinte e dois minutos contados a poente... por 24 anos.
Levantei-me. Atravessei o caís e cruzei-me com ela. Uma diagonal perfeita. Geométrica.
Amanhã inversa: eu do lado poente, no fundo da escada. Ela, a nascente no princípio de nada. Numa espera alternada, simplesmente.

George Sand

2 comentários:

  1. «Epicuro a Meneceu, saudações.
    Que ninguém, porque seja jovem, postergue a filosofia, nem, porque seja velho, deixe de filosofar, pois nunca é demasiado cedo ou demasiado tarde para assegurar a saúde da alma. E aquele que afirma não ter chegado ainda o tempo de filosofar, ou que esse tempo já passou, é semelhante àquele que, ao falar da felicidade, diz que o tempo dela não é chegado ou, então, que já passou. De sorte que é necessário filosofar tanto na juventude como na velhice, num caso para que, envelhecendo, permaneçamos jovens para com os bens, gratos pelo que já vivemos; no outro caso, para que sejamos ao mesmo tempo jovens e velhos e nos desembaracemos da angústia daquilo que ainda está para vir. Assim, é necessário que nos preocupemos com aquelas coisas que produzem felicidade, visto que, se as tivermos presentes, temos tudo, enquanto na sua ausência tudo fazemos para as ter. E nisto, a que continuamente te exorto, te deves exercitar, levando-o à prática e entendendo distintamente que residem aqui os elementos do bem viver.»

    Epicuro, Carta a Meneceu


    Parabéns pelo espaço. "Exorto-te" a continuar. Eu, por 'ali' me fico.

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  2. O pensamento é o Cerne.
    Este é um espaço intimista, para beber chá. Ali, por onde vai ficando, é um espaço que pode ser importante, se se souber filosofar e se se souber encontrar o equilíbrio e a ponderação necessária. Refiro-me ao autor do outro espaço,de que já vi, é acérrimo defensor :).
    Apareça então para o chá.

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