domingo, 25 de março de 2012

Não haveria mais palavras escritas






Não haveria mais palavras escritas. Quando muito pensamentos errantes, num mundo indefinido.Mas nada, de palavras escritas.
Conceitos desnorteados, sem rumo, iriam agora acotovelar-se à esquina da imaginação numa espera silenciosa e desnecessária.
O dia nasceria em folhas brancas.  Promessa, já sem espanto.
Alguém decretara: não haveria mais palavras escritas.

Quatro ou cinco fazedores de prosa, não mais, a correram os dedos pelo teclado, toda a noite, até ao alvorecer da ausência. Enquanto a esperança não recolhesse no silêncio de duas ou três ou sete paredes, enviesadas, eles escreveriam.

As partituras foram as primeiras. Começaram a deixar escorregar colcheias e semi breves, em catadupas, num cesto sem memória.
Grafias de todos os tamanhos, de todos os géneros, de todos os lugares sucumbiam.
Homero, deixou de respirar  no último minuto do dia.
Shakespeare chorou todas as imagens, e desbotou.

Ainda se pensou que o poema sobreviveria...rápido e esguio, numa fuga insane, por  páginas adentro, de silêncios e emoções. Tudo, o que doravante,  ficaria por dizer...mas não.
O poema morreu! Às mãos de um qualquer adjectivo.

Restou a paisagem. Indizível. Indescritível.E,  o mundo todo. Redondo e aflito, num perpétuo mutismo de Si...

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17 comentários:

  1. Dane-se o adjectivo.
    Temos que engendrar uma solução... a escrita tem que permanecer!

    Beijos,

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  2. então é que teríamos de emigrar mesmo, Filipa. :)

    beijinhos

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  3. Filipa,
    Belíssimo, nem tenho palavras, deixo apenas esta ideia: cruzei o seu texto com as palavras de Tabucchi que ouvi esta tarde e tudo faz sentido - a sinfonia das palavras.
    Beijinho grato. :)

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  4. Um cenário triste demais... mas acredito que o poema sobreviveria, a alma do poeta encontraria forma de o manter vivo...!

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  5. mfc (Miguel)

    Gostei do apelo à revolta! A escrita permanecerá?...e se um dia morrer, por falta de leitores...ou de estímulos para se escrever...

    Luís,

    Com estatuto de "refugiados de emoções"!

    Ana,
    Que bonita leitura, no dia da partida de Tabucchi.
    Beijinho

    Isa Lisboa,

    O poema sobreviveria...pelo menos dito e pensado.Mas seria um mundo diferente...
    Obrigada
    Bj

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  6. É difícil conceber uma existência sem a palavra escrita.Ela é quase pessoa!Sem ela, o mundo que já tende para o redondo ficaria prisioneiro de si mesmo.
    Beijinho

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  7. Concha,

    É quase impossível conceber...o mundo prisioneiro de si, e sem possibilidade de expressão.
    Beijinho e obrigada

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  8. Felipa,

    Gosto de brincar com as palavras, mas gosto também do silêncio, principalmente, àquele que fala quando elas não conseguem expressar o que sinto. Ouso dizer que o meu silêncio fala mais que mil palavras, pois ele traduz a linguagem do meu olhar e, este, não mente jamais. Já as Palavras...

    Talvez, em um mundo sem elas, as ações ficassem mais evidenciadas. É que, às vezes, ficamos presos à vaidade das letras postas no papel e esquecemos da sua função principal que é:a prática. Os políticos sabem muito bem fazer uso desse recurso... Muitas palavras e pouca ação.Bjs

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  9. Julieta,

    Não há palavras sem silêncio.
    E os silêncios são tão ou mais importantes do que as palavras.
    Quanto ao uso da palavras pelos políticos, é o mesmo que pelas pessoas...porque são pessoas. Melhor, pior, assim assim...
    Obrigada
    bj

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  10. o requinte! sempre...

    a poesia explode. no interior de teu belo texto...

    recordas-me o "velho" filme de Truffaut "Fahrenheit 451"

    beijo. grato

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  11. Para mim palavras e silêncios são importantes, embora muitas vezes o olhar diga o que por palavras não somos capazes de dizer.
    Os políticos dizem o que entendem dever dizer, o palco onde se movem exige que representem duma forma convincente, são muitas vezes actores numa comédia ou num drama.
    Mas sem palavras... não há actor que resista!
    Boa semana

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  12. heretico,

    Engraçado como as palavras o conduziram às imagens.
    obrigada eu.:)

    A Luz a sombra,

    (Este título de blogue é lindo)
    As linguagens completam-se. Muito bonita essa imagem. Sobretudo para si que lida tão bem com as imagens.
    Sem palavras não se resiste. o mundo acabrunha-se.
    Obrigada
    Boa semana também para si

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  13. Enquanto a vida for indomável as palavras germinarão sempre, seja para exprimir revolta, esperança ou um simples sorriso...
    Um belo texto!

    Beijo :)

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  14. No cruzamento da estrada que vai do pensamento ate à avenida das palavras escritas, dei por mim a desviar no beco dos esquecidos, onde poemas velhos e gastos, com remendos tapando os buracos da indiferença, entoavam frases que se colavam às minhas mãos, suplicavam que as levasse comigo para onde pudessem ver a luz do dia, entre duas páginas de uma qualquer coletânea. Num canto, entre duas claves de Sol, um verso sem rima, uma prosa corrida, um soneto sem nome e um cesto de mínimas encavalitadas eram vendidas a retalho. Mas o meu olhar pouso num lápis de carvão, alto e esguio, deitada sobre um amontoado de folhas outrora brancas agora de um castanho gasto e sujo. Nada disse, mas o bico gasto e mal afiado, e um e outro rabisco numa folha a seu lado amarrotada, contaram-me a história de uma paixão que faria Shakespeare renascer na loucura de a retratar, de um amor impossível com uma alma de trovante que nele procurou a coragem para se expor sem ser julgado, para se entregar sem ser plagiado, de se desnudar em linhas e linhas de palavras dignas de um fado, onde a saudade de palavras escritas seriam cantadas pelo embuçado. Quis pegar-lhe, mas ele afastou-se e de repente senti quase receio do que me esperava no fim desta rua, naquela Avenida das palavras escritas, outrora palco de tanto pensares, escola de amantes e poetas e trovadores. Quis ficar ali, entre a ilusão do que conheci e a realidade do que antevi. As palavras escritas, essas, como eu e as minhas ficaram sentadas encostadas a um livro de contos, e na melodia de um Adeus antecipado, terminei a viagem, vetadas ao anonimato, quem sabe um dia recuperadas por um guerreiro sem medo que ouse desafiar o mundo, ouse espelhar os sentidos e transcrever as viagens da alma.
    Joana

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  15. AC,

    Existirão sempre palavras. Se não scritas, pelo menos imaginadas...
    Obrigada


    Joana,

    Obrigada por essas viagens da palavras da alma. Gostei muito.
    Bj

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  16. Palavras que o vento não leva quando suportadas pela acção e não apenas intenção. E assim, a escrita não morre, pois é uma forma útil de comunicação. Principalmente se estamos distantes de quem queremos contactar.
    Adorei o texto

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  17. AnaMar,
    A escrita nuca morrerá. Mesmo se as palavras saírem por aí, momentaneamente, num qualquer desvario de vento.
    Gosto que tenha gostado. :)

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