quinta-feira, 15 de março de 2012

Paisagens descoloridas, sem tempo de recordação

 
Todos os dias desapareciam paisagens e lugares.
O tempo das recordações esmorecia, com a falta de pouso.
No jardim, mesmo em frente, restava um único banco para acomodar o resto do  horizonte.
O vazio, crescia  e com ele o silêncio. Descolorido e generoso. Na quietude mansa, das coisas que não se renovam. Do tempo que nem acontece.

Podiam abrir-se as janelas que davam para o mar e não encontrar sequer  vestígios de água. Nem os areais, os muros brancos (seriam brancos? ) junto ao cais. Ou um voo de pássaros, adornado, à rota do esquecimento.

Destemperado, rodava agora o mundo. Sem espaço para se perder na curva abraçada de nenhures.
Entre o lado de cá e o lado de lá, um abismo, requisito de  sombras, que paulatinamente substituíam sem dó os lugares,  e os esvaziavam do acontecido.

Nunca mais se pintaria nada,  com as mesmas dores...
Seriam nuances de paletas, quase impossíveis, a sugerir agora, as poucas recordações. E o luar, manchado de ausência.. E as estrelas, despidas de luz...

(a fotografia é do fotógrafo Mário Castello)



15 comentários:

  1. Deve ser assim o desaparecimento da memória... sem a qual pouco somos!

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  2. mfc,
    Desaparecer a memória ou a esperança...terrível.
    Obrigada

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  3. As sombras são sempre as memórias mais difíceis de perder, assaltam-nos quando tudo parece tranquilo.
    Parabéns pela beleza do texto.
    Beijinho. :)

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  4. As sombras farão sempre parte da paisagem.
    Obrigada Ana
    Beijinho

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  5. Um deserto? Um tempo sem cores, sem sons...sem vida? À luz contrapõe-se a sombra, ao som o silêncio; a tese e a antítese.
    Contudo aqui há o vazio e o silêncio.'Descolorido e generoso'.
    Este tempo, este silêncio, este vazio não passarão de imagens apreendidas num passado perdido no próprio tempo?

    Bj

    Olinda

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  6. As cores nunca são as mesmas. Nem as sombras.

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  7. Conheço um rio
    com uma ponte
    de lá para cá
    e de cá para lá

    e acho bem
    quando alguém passa
    por sobre as águas

    Bjs

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  8. A fotografia é bonita, mas a prosa não é inferior.

    Um abraço,

    m

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  9. Olinda,

    Pode ser que sim. Que não passe de um tempo perdido...que as minhas palavras descoloriram, para o seu silêncio o pintar. Em branduras de arco-íris...
    Bj

    CNS,

    Serão como quiser que sejam :)

    Mar Arável,

    Conheço uma ponte
    Por cima da minha ousadia.
    E um voo
    De alcance ainda maior...
    :)

    Obrigada M,pela visita. Ainda bem que gostou destas palavras escorregadas. É um estímulo.
    Um abraço

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  10. Ao fixar os olhos no céu azul da foto, acabei por encontrar a cor. Quase pude ver o movimento das nuvens.
    No texto acabei por cair no abismo da falta de esperança, na ausência de tudo o que conhecemos ou aprendemos...naquilo em que o mundo se tornou. "Nunca mais se pintaria nada, com as mesmas dores..."
    Gostei bastante.

    Sónia

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  11. Sónia M.

    Gosto que goste.
    Volte sempre e traga essa paleta de palavras. Os meus textos estão sempre abertos a pinceladas:)

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  12. Gostei muito deste texto, transportou-me para um local melancólico, mas que sinto que pode ser real....

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  13. Isa Lisboa,

    Os lugares, ainda que na minha imaginação... e no seu seu espaço, que se deixam construir. Claro que é real!
    Obrigada

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