domingo, 17 de agosto de 2025

Retrato de Shani Louk - Poema inédito de Victor Oliveira Mateus.

 





retrato de shani louk

Já não podes voltar às águas de Eilat
nem refletir nelas teus olhos
inocentes e ávidos de paz

Já não podes rir nas discotecas de Tel Aviv
ou sonhar universos distintos
na orla flamejante do Mediterrâneo

Já não podes regressar ao sagrado
dos templos
à sombra refrescante das oliveiras
das figueiras
cujos frutos te adoçavam a alegria

agora
agora não passas de um corpo
com um tiro no crânio
abandonado numa casa esconsa
como um fardo sem préstimo

e tudo isto
tudo
porque dançavas
porque invocavas a paz
na terra ensolarada de Re’im


Tradução hebraica de Filipa Vera Jardim

תמונה של שני לוק


את כבר לא יכולה לחזור את המים של אילת

ולא תשוקפו בהם את העיניים שלך תמימות ולהוטות לשלום

כבר לא יודעת לצחוק בדיסקו של תל אביב

או לחלום על עולמות שונים

בקצה הבוער של היום התיכון

כבר לא יכולה לחזור אל הקודש

של מקדשים

הגוון המרענן של עצי הזית

של עצי התאנה

שפירותיהן ממתיקיק השמחה שלך

עכשיו

עכשיו את גוף

עם ירייה בראש

לטוש בבית בהריסות

כמו משא ללא ערך

וכל

הכול

בגלל את רקדת

בגלל את הזכרת את השלום

בארץ שמושי

של קיבוץ רעים


na imagem: Shani Louk  Raptada e morta pelo Hamas 


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Existência, num murmúrio, do fundo do seu coração

 


Desenhou uma espiral na entrada da casa, a afunilar, directamente, à estrada do pensamento. 
Não se percebia muito bem da porta, quantos passos se teria que dar, para se ultrapassar toda a realidade, rodar a maçaneta aos sonhos e, desembocar numa passadeira, sem vivalma.
Mandava então parar o tempo, aquietar bem o espaço e seguia.
A viagem era sempre a da existência. Sem destino muito preciso e sem direcção definida. 
Guiava-o vagamente, uma pequena bússola  que herdara do seu avô. E, um marcador de passos, amarelado, de vitrine partida e ponteiros seguros por um elástico que lhe permitia, mesmo assim, contar e  recontar a vida, segundo a segundo, por uma boa parte da eternidade.
Todos os dias percorria sozinho uma boa parte da eternidade. 
Não havia nenhuma esperança nem contemplação, na viagem. 
As bermas pareciam inertes e a paisagem, permanentemente indefinida. 
Depois de horas a repensar o que o levara, passava outras tantas a ensimesmar-se  sobre o que o traria.
Ainda hesitou, por um único dia, desviar-se. A causa, foi um pequeno murmúrio que pareceu ouvir, do fundo do seu coração

Filipa Vera Jardim 


Imagem: Quadro do pintor Artur do Cruzeiro Seixas.