Ficava à janela, com os quadrados de papel colorido espalhados na mesa baixa, desse rés-de-vida.
Era assim, todas as manhãs.
Dezenas de quadrados de papel coloridos. Recortados. À espera. Repousados, ainda da noite, em cima da mesa baixa, sempre colada à janela.
Um banco trôpego e aos mãos a quererem dançar...
O tempo não lhe apaziguara a timidez...sempre tão complicada essa parte, de perguntar a quem passava. Mas inevitável, para saber se o pássaro seria azul, laranja...irremediavelmente violeta, de uma cor qualquer ou absolutamente carmim.
-Bom dia: se hoje pudesse escolher, o que lhe aconteceria?
O espanto sobrepunha-se sempre à pergunta
-O que me aconteceria?
Podia então vir de lá, uma resposta vaga, um sorriso de hesitação, uma memória vazia, um dito ocasional. Até acontecia, ser só um suspiro impaciente ou uma lágrima...a raiva incontida, também.
- Olhe, não me aconteceria nada!
-Aconteceria não ter que estar doente, ora essa!
- Que estranha pergunta...
Para não acontecer nada ele já sabia de cor...seria branco. Sempre branco, ao sabor de todos os arco-íris. Uma doença, verde de esperança e uma lágrima, ai essas... a exigir sempre a maldita transparência. Difícil a transparência, que lhe fazia bailar os dedos no vazio. Dobras complicadas, muito complicadas. Os cantos do ar, perpendiculares às rectas do coração...de mestre!
No fim do dia, apesar de tudo, a tarefa estava sempre cumprida.
Alinhava-os então, um a um, no parapeito. Fechava a janela e deixava-os lá. Voavam sempre, os sonhos, em pássaros de Origami.
que maravilha, que bonito. Muitos parabéns pela leveza da sua escrita. Este texto é excepcional:-)
ResponderEliminar«Para não acontecer nada seria branco» - é isso. Está muito bonito, tem muita força, na sua suavidade.
ResponderEliminarJoão afonso
ResponderEliminarTalvez porque o branco permita tudo.
Obrigada
VMMSouza
Uma escrita de sopro e num sopro.
Obrigada
Li, reli e descobri: este texto deve ser lido do fim para o pricípio. Faz todo o (outro) sentido! É um origami de todas as palavras e cores. Talvez um pássaro, talvez não.
ResponderEliminarBom, muito, abênçoado sopro!
Um bocadinho isso: a construção em sonho e a desconstrução real e a sua alternância.
ResponderEliminarObrigada.
são momentos destes que me trazem sempre aqui.
ResponderEliminarObrigada Daniel e volte sempre.
ResponderEliminarFazer e desfazer, construir e reconstruir... é a essência das coisas. O papel, para além da beleza e da aparente fragilidade revela-se forte no desenho do sonho. Esta escrita contemporânea continua a evoluir. Não precisa de figuras de estilo ou outros artifícios, pelo contrário, é na simplicidade da palavra que se revela a força do texto. A janela é um elemento sempre presente numa escrita que evolui e que se está a tornar num caso sério a merecer outros públicos...por mais que digas o contrário.
ResponderEliminarVamos ver até onde me levam as palavras, as janelas...
ResponderEliminarMuito obrigada Luís
Envolvente e leve como o sopro de um sonho. Ótimo.
ResponderEliminarPrimos,
ResponderEliminarObrigada.
Agradável ver como os sopros ainda chamam leitores depois de tanto tempo.