Acorda cedo.
Muito cedo.
Demasiado cedo.
Completamente cedo.
Ele sabe... por isso, começa por uns "apitos" suaves, a saudar os poucos carros que passam. Não valem o esforço.
É tempo de meneio de cabeça e alisar de penas.
Por volta das seis entram as primeiras ambulâncias no viaduto.
Os menos avisados, pensariam facilmente, que todos os dias, a minha rua, acorda no meio de uma catástrofe...mas não. O louro, há muito que lhes "topou" as sirenes e as andanças. Pelo que responde estridente, do seu segundo andar. Numa proporção de duas para sete, sempre com o louro em vantagem.
Só acalma, cerca das oito e tal, com os olás dos vizinhos. Correspondidos prontamente.
O problema é quando os residentes partem e, a rua se enche de outras gentes. Gentes que não conhecem o louro e não sabem dos olás e dos bons dias....o louro, embalado que está, nos olás, não compreende. Sente-se ignorado...Enerva-se.
Avança então, para os apitos e as sirenes...a que vai somando choques e derrapagens. Toda uma "paisagem sonora", que o louro descobriu do seu parapeito...mas os transeuntes raramente olham acima da cabeça.
Às onze, mais coisa menos coisa e, farto de não ter atenção, começa o ´"número" tão aguardado.
O louro, num desespero de fúria, atira-se do varandim.
Espera-o o precipício e uma morte estatelada no passeio, que o louro anuncia entre berros de fazer chorar as pedras da calçadas e um bater de asas em agonia...
Os passantes precipitam-se. Montam-se estratégias...um casaco para amparar a queda. Avisos para a janela . Alguém que toque à campainha...
O louro, esvoaça, cada vez com menos forças e o bico a escorregar, da minuscula goteira da varanda. Preso por um "limite infímo, de bico, à vida, fica então de lado. A única forma de controlar a campainha, pelo canto do olho.
No derradeiro instante... já com uma assistência razoável, sobe. Ligeirinho. Por uma minúscula corrente que tem presa à pata e não se vê da rua. Cumprimenta, faz uns meneios e acalma...só até à próxima tentativa de suicídio.
Às vezes tem azar e, mesmo com "a coisa" bem controlada, alguém consegue chegar primeiro à campainha...a dona recolhe o louro, entre risos e aplausos, que fica de castigo, às cabeçadas na janela. E, certamente, a apurar a "técnica" do lado de dentro
O desenho é um original gentilmente cedido pelo autor e ilustrador José Abrantes
magnífico
ResponderEliminarE verídico!
ResponderEliminarPobre bichinho...:)
ResponderEliminaringénuo :)
ResponderEliminarÉ na ingenuidade que está a beleza... e na mestria das palavras e na profundidade desse olhar clínico que tudo despe...
ResponderEliminarTexto saboroso! Gosto da simplicidade da narrativa, sem pretensiosismos. Uma história bem contada e com forte componente visual...
Parabéns também ao José Abrantes pelo magnífico desenho
Luis Bento
:))
ResponderEliminarDigo, como no primeiro comentário:
Magnífico!!!
Dramática a estratégia do Louro e o texto da dona(presumo)transmite-nos tudo isto de uma forma apuradíssima.
Gostei.
Olinda
Obrigada Luís Bento.
ResponderEliminarA história é mesmo visual e auditiva: o bichinho vive no prédio em frente.
O José Abrantes é de facto dono de um grande talento e equivalente carreira como autor e ilustrador,de livros infantis. Cedeu-me este, gentilmente.
Olinda Melo,
Infelizmente não é meu o papapagaio. Se bem que é um dos meus animais preferidos.
Ainda bem que gostou.
Obrigada
Gostei muito do texto. O Louro não sabe medir as consequências, que impressão o lançamento para o vazio.
ResponderEliminarTive um papagaio em miúda era do meu pai. É um bicharoco simpático.
O desenho é fantástico acompanha bem o texto!
Ana,
ResponderEliminarOs louros são engraçados. Repetem tudo mas sem terem a noção de nada. Tenho pena de não poder ter um. Deve ter sido engraçado ter tido um:)
Obrigada
Oh mae isto está genial! E o susto que apanhamos quando o bicho se atira... :P
ResponderEliminarGostei muito <3
Inês V J
Hoje não se atirou...deve ter lido om post :)
ResponderEliminarexcelente.
ResponderEliminarObrigada Daniel
ResponderEliminarRindo aqui do louro.
ResponderEliminarMenino danado.
Adoro esses bichinhos.
beijo
Olá Luz.
ResponderEliminarEsse Louro existe mesmo. Inflizmente não é meu...mas está de chuva e o Louro nos dias de chuva não aparece. Vem-lhe ao de cima a "tropicaidade" :)