segunda-feira, 29 de março de 2021

Album de fotografias

 



A única ordem possível nas páginas era a de chegada à vida.
Um a um, cada qual na sua vez, tomávamos o lugar que nos calhava no enorme álbum de fotografias da sala de jantar.
Era à mesa que desfolhávamos as páginas, acrescentávamos os que acabavam de chegar e com pena, passávamos as mãos carinhosamente pelos que tinham acabado de partir. O álbum era pois uma espécie de repositório de uma parte das nossas almas, precisamente aquela parte que só existe, depois de devidamente assinalada, devidamente partilhada e com assento no lugar da memória. 
Por cada um que chegava e por cada um que partia, o álbum abria-se para deixar instalar mais um pedaço de tempo, um lugar, um sorriso.
Ninguém sabia quem o tinha começado. Uma menina de caracóis sem nome, sorria-nos do alto da primeira página, com o olhar escorregado já na sépia amarelecida. Sorria-nos de longe, desse lugar do tempo que só nos pertence porque  existem recordações.

Na imagem: "Auto retrato em grupo" de José de Almada Negreiros 

4 comentários:

  1. O album de fotografias,uma delícia!Havia também as que não cabiam no álbum e enchiam assim uma gaveta,que ajudava a ultrapassar os tempos necessários passados a curar uma daquelas doenças que se tem em criança.Já recuperados,havia a necessidade do resguardo e enquanto se esvaziava a gaveta,sempre com inúmeras perguntas,saboreava-se bolachas,rebuçados e o que mais era permitido.O quadro de Almada Negreiros veio avivar a memória de um restaurante "Os irmãos Unidos"ali na Praça da Figueira,onde ainda recordo o almoço de Bacalhau à Brás no espanto,esperança e no deslumbre da grande cidade onde tudo era descoberta!Excelente espaço e excelente texto a recordar outras memórias.Beijo com gratidão!

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    1. Lembro-me desses tempos e tenho saudades. A memória é a única coisa que nos resta depois do instante que acaba demasiado depressa.
      Em casa dos meus avós havia, além de fotografias álbuns de postais. Lindos e os textos textos eram uma delícia.
      Tenho muitas saudades do tempo das fotografias de papel e dos postais ilustrados. das cartas que se escreviam e se recebiam.
      Bj

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  2. Respostas
    1. E verdade, há sempre um dia em que é lua cheia.
      Um abraço

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