terça-feira, 15 de outubro de 2019

Naufragio


Comecei a navegar pelas bordas da tua urgência, devagarinho e com terra à vista. Depois, fui percebendo que é sem pé que se alcança a ternura e que o fundo do mar e o fundo da terra são um e o mesmo lugar.

Parti porque havia vento e havia uma saudade imensa de horizonte. 
Parti porque me esqueci de tudo o que nunca aconteceu e ontem, me parece agora, apenas  um lugar amanhecido no fundo de um frasco de vidro baço.
Parti porque o sol me desdenhou sempre e de todas as vezes que se encostou à curva da  minha lonjura.

 Desde ontem que navego e não vejo senão horizonte. Um mar que me serpenteia entre os  anseios e ninguém.  Um mar que me serpentei entre as  recordações e ninguém.  E o espanto atravessado na crista de cada uma das ondas que procuram um lugar.
Desde ontem que navego e não sei  se algum dia aportarei.  


Imagem: "La radeau de la meduse" de Theodore Gericault

2 comentários:

  1. palavras tensas! belas
    latejantes como o cristal mais puro
    é bom ler palavras assim...

    abraço

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